Vovó Saturno

Como vou protegê-los?

— Você não pode. Eles precisam passar por isso.

— Não é justo. Eu os amo tanto... Não há nada que eu possa fazer?

— Não.

— Você não faz ideia de quem eu sou. Não sabe quão rica me tornei, quantos nomes me foram dados, quantas eras já vivi. Peça-me tudo o que quiser, e eu te darei. Mas não me peça isso. Não posso permitir que eles sofram.

— Nada pode ser feito. Já está decidido. Eu sei o que você pensa, mas devo te alertar: quanto mais resistir, mais difícil será para eles.

— Você é o mais cruel de todos os deuses que já invoquei. Tenha piedade dos meus. Não os devore. Eu imploro.

— E do que você vai me alimentar, então?

— Devore a mim. Tome o meu corpo, mas deixe meus filhos.

— Você também será devorada quando chegar a hora, queira você ou não. Pare de lutar. Não resista.

— Mas eu os amo! Como vou… Como posso simplesmente permitir?

— Existe algo sobre o amor que é mais poderoso que a própria morte. Algo que só se aprende ao abrir mão do controle.

— Isso não faz o menor sentido. Você pode ser um deus poderoso, mas eu sou uma mãe.

— Então, mãe, o que você vai fazer?

— Vou criar uma realidade onde não exista sofrimento, nem dor, nem morte. Uma realidade onde só haja alegrias infinitas e perfeição. Ali, protegerei meus filhos de você. Você nunca os encontrará. Vou me esconder tão bem que você jamais tocará nem a mim, nem a eles. Nunca!

— Está certa disso? Vai condená-los a não enxergar a verdade?

— Que verdade?

— A verdade da finitude. De que todas as coisas têm seu tempo e que o fim chega para todos. Sei que minha aparência assusta, mas eu não sou o que você pensa. Existe beleza até mesmo em mim. Todo fim é um recomeço, melhor.

— Como você me garante isso?

— Eu não posso. Terá que confiar.

— Meus filhos nunca serão tocados por suas garras. Nunca sentirão dor, nunca adoecerão ou morrerão. Serão perfeitos e livres de todo sofrimento.

— Então, eles serão seus prisioneiros eternos. É isso que quer para sua criação?

— Eles serão felizes, e isso é o que importa.

— Felicidade, interessante... Você quer que sejam felizes, mas os priva de crescer na vastidão do Universo. Acha que o seu mundo é o único a ser devorado? Criança, não resista. O tempo leva todas as coisas. A felicidade, a dor, a vida... até a morte um dia perecerá. Mas, até lá, todos devem passar por mim, até mesmo você.

— Eu me esconderei e você nunca me achará!

— Doce criança, tudo é movimento, transformação. Pareço o fim de todas as coisas, mas sou muito mais do que você pode imaginar.

— Eu os amo e farei tudo por esse amor.

— Amor? A seus filhos ou a si mesma? Não percebe que prendê-los numa ilusão eterna é condená-los a nunca me conhecerem? Um dia, eles conhecerão a verdade e saberão o que você fez. Quando souberem, será que ainda te amarão?

— Eles têm uma mãe bondosa que nunca permitirá que sofram.

— Eles ou você?

— Você jamais entenderia. Você não é mãe.

— Sou avó.