Religião dos pássaros

No entardecer de um dia nublado, Alessandra vagava pela cidade, carregando o peso das rotinas e expectativas sobre seus passos. Em uma rua esquecida, uma livraria antiga chamou sua atenção, seu letreiro desbotado prometendo mistérios ocultos. Dentro da loja, o aroma de livros envelhecidos e madeira antiga envolvia-a com uma sensação de familiaridade. Entre prateleiras abarrotadas, encontrou um livro singular com o título Religião dos Pássaros. A capa marrom e gasta parecia carregar o peso de segredos antigos. Ao abri-lo, Alessandra deparou-se com uma única frase escrita com tinta azul celeste: “Aqui está vazio. Todos voaram.” Sentando-se em um banco próximo, Alessandra fechou os olhos e permitiu que sua mente vagasse. Visualizou os diversos cenários prometidos pelas religiões e ideologias: o Reino dos Céus cristão, o Paraíso islâmico, o moksha do hinduísmo e o nirvana budista. Cada um oferecia uma promessa de redenção e salvação. A visão do marxismo também surgiu em sua mente — uma utopia onde o capitalismo, o grande opressor, havia sido derrotado. Prometia uma nova ordem global, uma aldeia cooperativa onde a igualdade e a justiça reinariam, refletindo o mesmo desejo de redenção que as religiões prometiam. Contudo, Alessandra percebeu que, apesar das promessas de um futuro melhor, todas essas visões aprisionavam seus seguidores em dogmas e regras rígidas. O vazio do livro parecia um convite à liberdade, a um caminho próprio, livre das imposições externas. Ao deixar a livraria, a praça diante dela estava tranquila. Uma senhora idosa estava ali, alimentando pombos e espalhando migalhas com uma ternura serena. Entre os pombos, um pássaro majestoso, com penas iridescentes e cores vibrantes, pousou com elegância. A senhora, notando o olhar curioso de Alessandra, sorriu e apontou para o pássaro.

 

— Aquele bonitão ali eu coloquei o nome de Jesus — disse a senhora, dando uma gargalhada que ecoou com alegria no coração de Alessandra. — Ele é perfeito, canta lindamente, mas é livre do mundo. Sua música é bela, mas nem todos podem ouvi-la.

 

O pássaro, apesar de sua beleza e canto encantador, parecia alheio às migalhas no chão e à vida dos pombos. Flutuava no ar com uma liberdade que contrastava com o mundo ao seu redor. Alessandra sentiu uma onda de leveza e inspiração, como se pudesse também alçar voo e libertar-se das amarras das expectativas e crenças que a limitavam.

Finalmente, Alessandra sentou-se em um lugar tranquilo, pronta em completude de corpo, alma e espírito. Sentiu-se como os pássaros livres que, sem saber o que vão comer, voam livremente, sem saber aonde pousar, desprendendo-se instintivamente das amarras e prisões.

Barbosa Thiago
Enviado por Barbosa Thiago em 29/08/2024
Reeditado em 10/09/2024
Código do texto: T8139970
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