Canô
“(…) Nanã deu a porção de lama à Oxalá,
o barro do fundo do lago onde ela morava,
a lama sob as águas, que é Nanã.
Oxalá criou o homem, o modelou no barro.
Com o sopro de Olorum, ele caminhou.
Com a ajuda dos orixás, povoou a Terra (…)”
- Fragmento de uma lenda sobre Nanã, extraída de
“Mitologia dos Orixás”, de Reginaldo Prandi
Oxalá me deu o privilégio de moldar o corpo de minha própria filha. O rio que fluía por meio do Portal que separa os reinos dos vivos e dos mortos estava em plena calmaria, tudo ocorrendo exatamente como deveria. Os espíritos desmemoriados de suas vidas passadas e decantados por mim, subiam com as minhas canoas rio acima em direção à Vida. Uma parte daqueles que ainda não estavam prontos permaneciam ao longo da margem, fazendo coisas que ressoavam de suas vidas passadas, enquanto os outros nadavam nas águas serenas.
Era um fim de noite muito bonito onde não há Tempo. No fundo do horizonte, o Sol rompia o breu, lançando os primeiros tons de lilás no céu escuro e livre de nuvens. O cenário perfeito para modelar uma criança.
Sem se importar com a barra do vestido anil e branco, entrei na água, sentindo o fluir gelado abraçando aos poucos meus tornozelos e canelas. Continuei entrando, rio adentro, até que a água tomasse meu corpo por completo. Caminhei até a parte mais funda do leito, onde nenhum ser poderia enxergar, nem mesmo eu. Com a planta dos pés, apalpei a terra lamacenta, buscando o material ideal para minha menina. Quando finalmente fiquei satisfeita com a argila, fechei os olhos, controlando o lodo até os pesados vasos que havia deixado na margem do rio.
Sentei numa pedra chata, parcialmente banhada pelo rio, e comecei meu trabalho, diante dos olhares confusos dos espíritos, que me assistiam sem compreender aquilo. Com paciência, modelei com as minhas próprias mãos aquele pedaço de argila até surgir em meus braços uma bebê pretinha rechonchuda da cabeça aos pés, com dobrinhas muito bem colocadas nos braços e nas coxas. Cabeludinha desde o princípio, com fios tão finos quanto a lâmina d’água. Com cuidado, coloquei um olhar castanho escuro como a lama do leito do meu rio, para que sempre que ela olhasse em seu reflexo, lá dentro de seu âmago, ela pudesse se lembrar de onde veio. A pele delicada como um espelho d’água contrastava com as rugas de minha pele, testada e marcada pelo passar das eras.
Filho a gente faz para o mundo. Canô, tão linda e cheia de todo o potencial, aninhada ali nos meus braços. Ou seria eu aninhada por aquele bebê, recém-modelado do meu rio? Por um breve instante, uma correnteza rebelde passou por mim. E se Canô ficasse ali, comigo, crescendo, assistindo o fluir do rio, brincando e aprendendo em meio aos espíritos que passavam por aquelas águas rumo à vida?
O rio vai, não importando a velocidade. O rio volta, devagar e de inúmeros jeitos. O leito permanece. A corrente de rebeldia passou. Olhei para os olhos castanho-escuros da minha filha. Estava calma, embalada numa mantinha singela e numa guia de proteção. Depositei minha menina numa canoa pequena que a levou, entoando alegre e chorosamente um canto de benção, desejando boa viagem. Mãe é mãe, afinal.
Assisti ela cruzar o portal, com a certeza de que Canô voltaria para mim, para o meu tranquilo rio e para a minha lama, como todos voltam.
(…)
Canô foi encontrada num regato por Hilária, uma das moradoras do quilombo Ubuntu, a comunidade mais próxima do riacho. Geralmente ia para lavar as roupas do marido, como boa parte das mulheres fazia. Era fim de semana e Ernesto prometera sambar o pisado à noite com ela. Quando feliz e animada, gostava de caminhar descalça perto do solo resfriado, tamborilando batuques antigos que seu pai lhe ensinou no vasilhame, enquanto os cantarolava. Por algum motivo que não soube explicar, talvez pela distração, talvez por obra do acaso, Hilária tomou o caminho inverso do costumeiro, subindo ao invés de descer.
A rotina banal foi quebrada uma segunda vez por um embrulho estranho, encostado em algumas pedras da margem. Num primeiro momento, mal conseguiu reconhecer aquilo. Malditas vistas cansadas. Pensou ter ouvido um “nhem!” curto, típico de bebês. Não era possível. Geralmente não tinha ninguém por essas bandas. “Nhem!”. Será que não era apenas uma impressão do seu desejo? Como não cansavam de falar em Ubuntu, já havia passado da hora de ter filhos. “NHEM!” Era um chamado, só podia ser. Largou a trouxa de roupas, correu até o embrulho, tomando Canô em seus braços com cuidado. Com poucos dias de vida, não chorava diante do desamparo. Tampouco se perturbou em ser retirada da canoa-berço. Gorducha, parecia um pouco suja de lama em alguns pontos, como na bochecha e nas perninhas.
— Meu Deus! — Hilária trouxe a bebê para dentro do seu abraço, aquecendo-a um pouco, beijando delicadamente a cabeça já recheada de cabelos fininhos. — Tá tudo bem agora, menininha.
Hilária tateou a canoa atrás de algo que pudesse identificar a neném. Encontrou apenas uma guia de pedrinhas lilás e um papel com algo escrito. Alguém no quilombo poderia ler o bilhete. Pegou a trouxa de roupas, a canoa da bebê e Canô nos braços, e retornou para a comunidade.
“O nome dela é Canô. Cuidem dela, por favor!”
A comunidade de Ubuntu recebeu Canô de braços abertos, mesmo que entre burburinhos de alguns. Afinal, de onde surgiu aquele neném fofo? Teve até uns boatos maliciosos; Hilária talvez tivesse roubado a criança, desesperada para ter uma criança que fosse sua, mesmo que não fosse fruto do seu ventre. Outros diziam que ela cuidava de uma bastarda indesejada, filha de uma prima muito distante.
Oficialmente, aos olhos do Cartório de Santo Amaro, Canô chamava-se Cândida Batista da Silva, filha de Hilária Batista de Almeida e Ernesto Joaquim da Silva. Um prêmio para o casal que não pôde ter filhos. Mas, na realidade dura mesmo, Canô era filha de todos os moradores do quilombo, criada com muito carinho e liberdade.
Hilária e Ernesto saíam para trabalhar; ela vendia uns quitutes na cidade, enquanto ele era lavrador nas fazendas de cacau da região. A menina cresceu solta em meio às casas simples. Geralmente era calma, na dela. Brincava com as demais crianças, mas não se enturmava tanto. Gostava da farra, mas na primeira confusão, saía meio irritada, meio chateada. Vez ou outra trocava a companhia infantil pela adulta, como se no meio dos mais velhos Canô pudesse ser mais Canô. Escutava as histórias, fosse as de adultas ou não. Aprendeu desde cedo qual podia repetir e qual era melhor manter-se quieto.
A grande traquinagem da menina era brincar na terra, na lama e no barro, como uma autêntica inimiga das roupas claras. Disso ela não abria mão, nem por ameaça de uma sova bem dada. Corria, pulava, rolava… sujar-se era apenas um detalhe da diversão; construía inúmeros amiguinhos e monstrinhos, modelando-os nos formatos mais não-humanos possíveis. Também adorava cozinhar as receitas que Hilária fazia, replicando os temperos da mãe com areia e as folhas mais diversas. Solícita, fazia questão de oferecer os quitutes de Canô para qualquer um que passasse perto e não escondia a insatisfação diante da desfeita. E, se sentisse que alguém estava passando mal da barriga, Canô tinha a solução; pegava o velho e surrado copo rosa de plástico, com uma rachadura no fundo, que ela tampava com o dedo, e oferecia com um sorriso terno um chá de água barrenta e plantas.
Hilária logo notou e comentou brincando com o marido:
— Oxi, essa’minina parece que tem uma véia dentro dela! Ondí ela aprendeu essás coisa?
— Ah, vive solta por aqui, né? Deve imitar uma dessas véias fofoqueira, fica ouvindo as histórias lá do terreiro.
Ali, pelo meio da adolescência, Canô tomou para si a missão de cuidar das crianças como elas, filhas daqueles que saíam do quilombo para trabalhar. O pai a proibiu de continuar os estudos. Moça direita tinha que ajudar em casa, ele dizia. E se não tiver como ajudar em casa, vai ajudar na casa dos outros.
— Tu nem tem idádi pá ser tia, Canô. — Uma das mulheres da comunidade comentou, ralhando com o garoto. — Tem que ter respeito, viu?
— Pois pódi me chamar de tia, sim, que faço muto gosto, viu? Meus menino pódi tudo. — Ela respondeu, minimizando a bronca da mulher mais velha, os mimando logo em seguida com abraços apertados e beijos bem beijados, rápidos e mirados em qualquer parte do corpo disponível.
— Vê se num vai ficá boba dêmáis, hein minina, estas péstis vãum montár em você.
Bem que tentaram. Mas Canô parecia ser bem mais madura do que era, lidando com maestria com as crianças. Conseguia controlar os ânimos dos mais espevitados com um olhar castanho-escuro sério. Os mais tranquilos eram agraciados com alguns dos quitutes dona Hilária. Acolhia os chorosos e com saudades dos pais com atenção e carinho.
Tia Canô não mudou com o passar dos anos. É bem verdade, a morte de Hilária foi um daqueles baques tristes. Abatido pela morte da esposa, Ernesto foi-se logo depois. Emagreceu ao ponto de definhar, mal comia. Não tinha quitute que despertava sua barriga da apatia. Pouco importava que a filha havia seguido fielmente a receita da mãe. O pai lamentava-se dia e noite:
— Saudádi de mia pretinha.
Já mulher adulta, refugiou-se incomunicável em casa por algumas semanas. Não queria ser perturbada, nem mesmo pelos rebentinhos do quilombo. Era o último ajuste. Um pouco antes da comunidade realmente ficar preocupada, Canô ressurgiu, mais uma vez cuidando das crianças:
— Onde tá Tio Ernesto e Tia Hilária? — Uma das crianças perguntou para Canô.
— Ah, meu querido. Acho que vi eles sambando pisado por aí, sabe? — Sorriu, ainda de luto. Então, pegou o menino pela mão, girando-o tal qual seu pai fazia com ela e com a mãe.
Tanto no quilombo Ubuntu quanto em Santo Amaro, Canô ficou conhecida por seu talento com as ervas e com as rezas. A melhor do Recôncavo Baiano, diziam por aí. Desde que tivessem fé, Tia Canô recebia de braços abertos aqueles que precisavam de seu dom, sem precisar deixar nada em troca. Claro, geralmente quem recorria a ela retribuía o altruísmo, com doação de comidas, água e roupas velhas. Então, ela repassava para quem mais precisava dentro do quilombo.
— Mia fia, o que é do zotro num é meu, mas o que é meu tá aí pro zotro. Sem os zotros, não sou quem sou. — Costumava dizer para Sandra com uma leveza sem igual.
Sandra, dos tantos filhos e filhas de consideração, era a mais próxima de Canô. Os pais enxergaram na curandeira o último recurso para as constantes doenças. Anemia, encefalite, faringite, pressão baixa, esquizofrenia, fingimento… cada mês, uma doença diferente, uma nova receita, uma nova suspeita, uma nova bateria de exames. De boato em boato, a coragem foi construída pelo desespero. Afinal, a garota continuava a conviver com o constante mal-estar e a visão de um homem mal-encarado, que a perturbava nos sonhos e na realidade.
Tia Canô os recebeu com a candura de costume. Nunca foi de sentir medo, especialmente daqueles que o maxilar trinca pela tensão e o temor escorre pela espinha quase a paralisando. Sandra estava certa. Atrás da menina, abraçado ao pescoço e aos ombros da garota, um homem feito e corpulento encarava Canô com a cabeça meio baixa, colada na cabeça da menina. Ostentava um sedento e vivo olhar castanho-esverdeado oblíquo. Quem quer que fosse, parecia se alimentar da energia da garota. E estava extremamente irado diante da ameaça à sua fonte de sobrevivência ou manutenção nesse mundo.
Canô foi testada pelo não-encarnado tanto ao nível intelectual quanto espiritual. Nos primeiros dias, rezava o tempo todo, girando em torno de Sandra, tentando espantar o espírito resistente. Semana sim, semana não ao longo dos dois primeiros meses da garota no quilombo, levava ela para tomar banho de descarrego na cachoeira. Consultava os búzios e os orixás atrás de novos jeitos de lidar com a questão.
Foi uma das poucas vezes que rompi o meu silêncio com a minha filha. Canô me procurou no terreiro. Ebó feito com pirão de batata roxa e rezas, muitas rezas. Eu só vim em sonho; nunca fui dada a grandes reuniões, com espectadores.
— Saluba, mâinha Nanã Burucu! Mâinha, preciso de sua ajuda prá quebrá uma ligação entre Sandra, uma jovem protegida mia como uma fia e um morto. Ele num fez a passagê e tá se alimentando dela. Tô dando o meu melhó, mas num parece ser suficiente.
— Hum, vejo… Canô, você num pode disfazê essa ligação. Só eu posso. É ligação de sangue, o sangue dele corre nela. Ligação assim precisa é de magia, de tempo e de reza.
— Mas, como assim, sangue do sangue? Sandra…
— Ué, minha filha. Todo mundo é filho, filha di um pai e uma mãe. Foi um erro da mãe di Sandra. Se deitô com o homí errado, mia fia. Egoísta e ganancioso, num tava pronto pá morte. Nem queria ser pai, mas sabe que Sandra é sangue do seu sangue. E num vai largar. Ele quer viver, quer mais du mêmo que já vivia…
— Vaso ruim num quebra, né?
— Num quebra. Mas pra tudo tem um jeito, mia fia. Sabe a guia de proteção que lhidéi?
— Sim.
— Pois bem, quero que você faça uma guia de proteção prá Sandra, do jeito que eu mesma fiz prá você… Façá tudo que já tá fazendo. Canô, mantenha ele longe. Vô apagá o que der dela nele lá no rio, mas demora.
Os pais de Sandra deixaram a garota em Santo Amaro para o restante do verão; gastaram os dias de férias do trabalho e estavam de volta à Salvador. Apenas depois do Carnaval buscariam a filha. Merecia pelo menos um verão de paz. Sandra não compreendia muito bem. Aceitou ficar com Tia Canô porque realmente se sentia bem ali com ela, mesmo diante do receio constante do retorno do homem.
— Ele vai me perseguir, Tia Canô? Mesmo aqui no quilombo? – Sandra perguntou um dia, girando a guia de proteção em seu dedo indicador até que ela se enrolasse para desfazer o enlace, repetindo o movimento contrário. Canô a segurou com firmeza pelo pulso, interrompendo a brincadeira e agachando-se, colocando o rosto na frente do dela.
— É, mia fia. Ele vai estar sempre te rondando, esperando por um momento de fraqueza seu. Por isso, mia fia, eu quero que você use sempre essa guia de proteção e reze bastante. Sempre. Do jeitinho que eu te ensinei. — Canô colocou a guia de volta no pescoço da jovem, acolhendo-a com um sorriso e um carinho no rosto.
— E puquê esse hómi me persegue, Tia?
— Tem coisa, mia fia, que não pécisa de resposta pá nós. E mêmo que tivesse resposta, a gente num iá entender.
Sandra e a família mudaram-se para Santo Amaro, para debaixo da proteção de Canô. Depois de algum tempo, quase livre da perturbação do falecido, Sandra foi para a faculdade em Salvador. Os pais permaneceram, apaixonados pelo Recôncavo Baiano. Ela conseguiu se formar em Farmácia, seguindo parcialmente os caminhos de Tia Canô; juntou os conhecimentos acadêmicos e as vivências de Canô. Então, retornou para Santo Amaro, dividida em auxiliar Tia Canô no quilombola com os seus chás e banhos, trabalhar numa das farmácias da cidade e fazer suas pesquisas.
E a vida seguiu o seu ritmo.
(…)
A calma do início da madrugada era perturbada pelo temporal que assolava a região. Canô jazia confortavelmente em sua cama, dormindo alheia aos ventos ressoando nas janelas e à minha presença. Sandra, alheia à sua maneira, estava com o rosto tão enfiado naquele aparelho tecnológico que seu rosto negro estava esbranquiçado. Lia algo em busca de uma promissora e milagrosa tentativa de tratamento para a demência de Canô dentre essas que eram testadas pelo mundo afora.
Oculta às duas, aproveitei para ver Canô de perto. Estava envelhecida tal como eu, embora o efeito do Tempo em nós duas fosse diferente; há muito o Tempo não me afetava, ao passo que a cada dia Canô definhava. Alguns ossos sobressaíam-se, frágeis devido à magreza de seu corpo. A pele enrugada, com veias ressaltadas especialmente ao longo dos braços e mãos, continuava delicada. Os dedos eram finos e um tanto alongados. As olheiras transformaram-se em bolsões ao redor dos olhos. Se acordasse, Canô não iria sequer se reconhecer no espelho.
Era hora. Mentalizei um simples e ancestral feitiço, colocando a jovem em um sono profundo. Sandra acharia, pela manhã, que havia sucumbido diante do cansaço. Talvez compreendesse melhor que se tratava de uma daquelas coisas que os humanos não podem e nem conseguem explicar que Canô um dia lhe contou.
Sandra e Canô estavam na beira de cachoeira, a mesma que Canô levava a filha de consideração para os banhos de descarrego. Das memórias que peguei de minha filha, era a minha favorita. A água caía com calma, em cascatas, nas pedras. Na margem do riacho, elas esticaram um pano, colocando as comidas em cima. Agora não havia necessidade de alguma de proteção. A memória de Canô aguçada, intocada por mim. Divertiam-se, trocando histórias, em meio aos quitutes e à cerveja; falavam dos homens, das ervas, das rezas e da vida e suas nuances .
— Saluba, mãinha! — Canô me abraçou com carinho e cuidado, dando um afago em meu rosto. — Que bom que a senhora tá aqui!
— Saluba Nanã! — Sandra ajoelhou-se rapidamente diante de mim. Ela segurou minha mão esquerda, levando-a até a boca e beijando-a com respeito. Respondi o gesto com um leve afago em seu cocoruto, falando “Bença, minha querida!”.
— A jornada de Canô está no fim. Tô aqui para levar mia fia.
Canô sorriu para mim, antes de se voltar para Sandra. A jovem debulhava-se em lágrimas e soluços. Minha filha abraçou-a com firmeza, secando suas lágrimas como no dia que pais de Sandra a deixaram no quilombo, sob os cuidados de Canô. Fiquei em silêncio, respeitando o momento delas.
— Sandra, cuidí do povo por mim.
— Dêixí comigo, Tía Canô.
As duas mulheres me ajudaram a subir na canoa. Quando me ajustei na canoa, dei minha mão para Canô. Ela entrou aos poucos, tentando ao máximo se equilibrar sem virar e não me machucar. Eu não conseguia não me divertir. Era o bom humor.
— Vamô, mia fia! Hora de voltá pá casa.
Bati o cajado no fundo da canoa, e partimos juntas, enfim.
“(…) Mas tem um dia que o homem morre,
e seu corpo tem que retornar à terra,
voltar à natureza de Nanã Burucu.
Nanã deu a matéria no começo,
Mas quer de volta no final tudo o que é seu.”