efeito estrangeiro

As 4 da manhã me antepondo a frente da janela, minha pele esta a trocar de mim, me descamo da terra, sinto oposição, caminho em direção a cozinha, minhas paredes de azul metileno, minha estrutura tão saturada se erguera volátil numa crosta movediça, estou desfeita num pântano úmido, os cipós intrusivos cresceram de minhas costas, sou uma casa silvestre, sinuosa, que se agarra em parto na mobília.

Vejo silhuetas, a luminosidade penetra as telhas, aviso a mim mesma “A fauna é oca”. A luz cai soterrada sobre os liquens de um troco morto, há vida nova nascendo pela terra, há vida nova brotando na minha carcaça, minha casa comera o pedaço de chão vivo e virara o alicerce de um monumento morto, estou me soltando de mim as 4 da manhã.

Acendo um cigarro, vejo fascinada a chama espaçada que ondulada se precipita de um isqueiro, o calor queima o papel, onde a alma condensada se afugenta na atmosfera, engulo o corpo abstrato da neblina esfumaçada e mato em processo lento um pedaço de carne viva, estou sendo feita refém pela minha vida gritante. Solto a fumaça pela boca, acho que não sou humana.

Transpiro, o verão oferece noites abruptas, dentro desta casa as coisas estão a rastejar, as madeiras do piso pingam suor, vejo a selva primitiva suar no muco, pingar orvalho na folha falsa de um jarro inventado, estou numa mentira, meus pulmões são falsos.

A casa tem cheiro de fusão, é uma rede e estou longe de ser pescada. Olho nas escadarias dos quartos, paro inquieta entre o espaço entre um cômodo e outro, há incompletude, entre mim e Deus há o interespaço.

Tenho um pavor de nascença, ele não cessa, estou acesa as 4 e meia da manhã, preciso de mim. Coloco café na xícara, o cheiro era de antiguidade, tenho que me olhar por fora da fenda, por fora de um corpo que apodreça e se reconstitua de forma nova.

Abro a porta dos fundos, o ar entrar pela casa, alimenta o bioma vivo, vejo as raízes de trepadeiras bifurcarem as paredes, tremo por mim, o mangue se ergue abrupto, as raízes rompem o chão impermeabilizado para poder captar a atmosfera, as coisas querem desesperadamente viver. Vejo corpos prismáticos que não apresentam sombras, eles perpassam as minhas represas e alagam minha vida, caminham em direção a minha porta e não quero fechá-la, quero saber se tudo que digo é fato ou invento tudo o que me conduz a loucura.

As raízes se envergam, observo uma mata pantanoso dentro de toda a minha casa, é um mapa, rompendo o teto, destruindo meus monumentos, uma raiz se moverá num suspiro abafado e perfurará meu braço, não tenho voz, olho tudo com o braço estraçalhado de vida. Corpúsculos invadem minha casa, alteram as formas, entortam as portas, invertem as maçanetas, estou ajoelhada, meu sangue é púrpura, os cacos da janela estão partidos, pego um fragmento do estilhaço e corto o cipó enrolado ao meu membro, sangro.

Tenho medo, me sento na mesa da cozinha, meu cigarro está queimando o tecido, meu café esfriara, a vegetação rasteira se cristalizara numa manta roxa e minha pupila escorria dos olhos, minha essência transcorria do corpo alastrando um solo viscoso de uma terra primitiva, meu braço reconstruido é cheio de vida pioneira se estalando sobre uma carne nova, convido a forma estranha a sentar na mesa, o corpo é transparente, me vejo no prisma gelado, toco na caixa torácica, começo a ficar transparente, me seguro nos móveis, sou terrena, enfio meus dedos na pele inteligível de uma carcaça alienada, não há sangue.

Troco os idiomas, falo línguas apagadas, estou exilada, sou vida simbionte, meus olhos aglutinados ficam totalmente pálidos, meus ossos se calcificam abrindo feridas nas rachaduras das extremidades do corpo, estou sendo dissolvida e não há móveis que me segurem, respiro aliviada, estou crescendo nas paredes de um útero imaginário, toco nas estruturas, solto a fumaça alucinógena de minha boca, acordo.

Caio da placenta, no caminho do labirinto da carne, na nudez inacabada do mundo, meu corpo prismático se estilhaça ao sopro silencioso da atmosfera, paro, olho estancada a janela, minha face desumanizada é estrangeira, sou a matéria desconhecida, toco nas arestas dos meus domínios, há redomas na terra, sou uma casa, me vejo olhar a vista por fora, a vista da janela, onde o estranhamento profundo acaba.

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Jonathan Ignius
Enviado por Jonathan Ignius em 29/06/2024
Código do texto: T8096398
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