Tributo à natureza

Quando Feramus Munzur viu quem batia palmas no seu portão, perguntou-se qual seria a razão da visita. Da janela da casa de pedra, acenou para o recém-chegado.

- É só empurrar, Gandar! Não está trancado...

O interpelado não se fez de rogado. Empurrou o portão de galhos entrelaçados e foi recebido com desconfiança por um vira-lata amarelo, que o cheirou várias vezes, enquanto ele se dirigia para a porta de entrada.

- Não se preocupe, Zarnên é manso - alertou Feramus, antes de sair da janela e abrir a porta para receber Gandar.

- Bem-vindo! - Feramus cerrou o punho e bateu o mesmo contra o punho cerrado que Gandar lhe estendeu.

- Seus filhos têm vindo vê-lo? - Indagou Gandar sem rodeios, depois de sentar-se numa banqueta que lhe foi oferecida pelo dono da casa.

Feramus abriu as mãos, palmas para cima.

- Sempre que podem. Xoser passa a maior parte do verão nas montanhas, com o rebanho. Dodi, o mascate, eu vejo com mais frequência, pois está sempre indo e vindo de Dew Koçer. E os seus?

Gandar balançou a cabeça num gesto afirmativo, antes de replicar:

- Ware e Vewre vieram para o meu aniversário, trouxeram a família toda. Imagino que deve estar sabendo da minha festa, não é?

- É o assunto do momento na vila - admitiu Feramus. - Imagino que o "encemen" vá fazer uma grande comemoração... a colheita este ano deve ser melhor do que a do ano passado.

- É bom poder partir desse jeito, não acha? - Indagou Gandar com um sorriso.

- Eu espero poder beber muito em sua homenagem - sorriu Feramus de volta. - Sua esposa vai com você?

Gandar balançou negativamente a cabeça.

- Não, isso seria uma maldade; Rojda é vinte anos mais nova do que eu. Nossos filhos também me pediram para convencê-la a não ir, e eu lhes dei razão.

- Me parece que você já tem tudo acertado - ponderou Feramus. - Espero poder dizer o mesmo quando chegar a minha hora.

Gandar o encarou em silêncio por um instante, antes de responder:

- Ano que vem.

Feramus foi pego de surpresa.

- Ano que vem? Já? Pensei que Hamo Çelger fosse mais velho do que eu!

Gandar fez um aceno negativo.

- Você é dois meses mais velho do que Hamo Çelger, ouvi isso na reunião do "encemen" que discutiu os detalhes da minha festa de despedida.

Foi a vez de Feramus fazer silêncio, enquanto punha os pensamentos em ordem.

- Eu não imaginava que teria que pensar nisso agora... mas quando te vi lá fora, sabia que só podia ser por esse motivo.

- A festa - disse Gandar.

- A festa do ano que vem - assentiu Feramus.

- Espero que a sua comemoração seja maior do que a minha - disse Gandar, erguendo-se.

Essa era uma fórmula habitual de despedida, mas para Feramus agora adquiria um novo significado. No dia do seu aniversário no próximo ano, seria a vez dele ser levado para pagar seu tributo à natureza.

- Que a sua sabedoria seja conservada - respondeu protocolarmente Feramus, acompanhando o visitante até a porta.

Bateram novamente os punhos e Gandar seguiu até o portão, de onde acenou uma última vez, antes de se afastar pela estrada poeirenta de volta à vila. Zarnên, cuja curiosidade parecia já ter sido satisfeita, ergueu a cabeça e encarou o dono.

- Você vai me acompanhar, ou eu vou ter que ir sozinho, Zarnên? - Indagou retoricamente Feramus.

Ao ouvir o próprio nome, o cão apenas abanou o rabo.