A cigana
Eu era uma jovem de 18 anos caminhando pelas ruas agitadas do centro de São Paulo, com passos largos e decididos, tentando acompanhar a maré de pessoas igualmente apressadas. Naquele dia, eu não poderia me atrasar para o trabalho, era meu primeiro emprego em uma grande têxtil.
Segurando minha bolsa com firmeza e driblando o mar de carros e de pessoas, ouvi ao longe alguém chamando:
— Moça, oh moça, preciso falar com você!
Ignorei e continuei meu caminho, mas senti alguém segurando levemente meu braço e me puxando. Assustada, me virei e vi uma figura peculiar: uma mulher de meia idade, com longos cabelos negros misturados com fios brancos, um rosto comprido e vestindo roupas de cigana. Em suas mãos, grandes anéis e adornos em dedos longos e finos, marcados pelo tempo. Com firmeza, ela disse que gostaria de ler minha mão e que seria de graça. Puxei meu braço de volta, agradeci sem jeito e disse que estava com pressa.
A cigana, no entanto, não aceitou minha negativa e insistiu que seria rápido e que eu chegaria a tempo no trabalho. Sem escolha e muito curiosa, parei embaixo de uma grande árvore. A luz do dia projetava sombras na calçada daquela praça, como se fossem pinturas e as sombras que se formavam das árvores desenhavam padrões dançantes. Não se ouviam mais os cantos dos pássaros nem o vento quente soprando dos automóveis; o vento parecia ter parado apenas para sussurrar em meus ouvidos que aquilo estava errado, que ninguém poderia saber do destino. Lembro-me de como os sons da cidade pareciam distantes, quase como se estivéssemos em um mundo paralelo. A cigana, movendo-se lentamente, pegou levemente minha mão. Eu via tudo em câmera lenta: a cigana abrindo um grande sorriso, uma parede separava a realidade daquele momento em que eu descobriria o que me aguardava.
Ela segurou minha mão com uma suavidade surpreendente, como se estivesse lidando com algo frágil e precioso. Seus olhos se arregalaram enquanto ela examinava as linhas da minha palma, e então, com uma voz que parecia carregar o peso de muitos anos de sabedoria, ela profetizou:
— Você não verá o ano 2000, não se casará, não terá filhos seus!
Puxei minha mão com firmeza, rindo e um tanto sem graça, agradeci pela leitura e disse que precisava ir.
De volta ao meu caminho, ri muito do que havia acontecido. Como assim eu não veria o ano 2000? O mundo teria acabado, já que estávamos em 1947. Naquele momento, eu ainda era uma jovem cheia de sonhos e esperanças, e aquelas palavras pareceram absurdas. Como poderia ela saber algo assim?
Os anos passaram, e apesar de suas previsões, minha vida seguiu seu curso. Escolhi não me casar e não ter filhos, decisões que, na época, pareceram minhas e apenas minhas. No entanto, a lembrança daquele encontro nunca desapareceu totalmente. Era um eco persistente em minha mente, uma lembrança que eu revisitava ocasionalmente, especialmente quando eventos importantes se aproximavam.
Chegamos no ano novo de 1999. A virada do milênio estava próxima, e a previsão da cigana se tornava um ponto de diversão nas conversas com minha família. Naquela noite de festas, entre risos e abraços, contei a história novamente. Como eu ria da ideia de que ela havia errado, que eu estava ali, viva e bem, pronta para ver o ano 2000.
Mas a vida tem maneiras misteriosas de nos lembrar de nossa fragilidade. Infelizmente naquele ano, minha jornada chegou ao fim. Não cheguei a ver o desenrolar do novo milênio. Minha partida repentina deixou minha família com a memória daquele encontro estranho e as palavras da cigana, que agora ressoavam com um novo significado.
Minha história, contada e recontada por gerações, carrega consigo um misto de espanto e reverência pelo desconhecido. Será que a cigana tinha um vislumbre do destino que me aguardava? Ou foi tudo uma coincidência trágica? As linhas da nossa vida, invisíveis a olho nu, guardam segredos que talvez nunca compreendamos totalmente.
E assim, minha história persiste, como um lembrete de que há mais entre o céu e a terra do que podemos entender. As palavras da cigana são um eco do que está além do nosso controle, um sussurro de que talvez, apenas talvez, nossos destinos já estejam escritos nas linhas invisíveis da vida.