A VIDA NA DIVISA SÃO PAULO MINAS GERAIS POR VOLTA DE 1921

A VIDA NA DIVISA SÃO PAULO MINAS GERAIS POR VOLTA DE 1921

Quero contar uma história de vida que se passou nos últimos 140 anos, na divisa São Paulo/Minas Gerais, um dos pontos mais altos da região Bragantina com altitude até de 1550 mts.

Era a era do nascimento de Bastião, filho caçula nascido em 1921, de um casal que se casaram em 1897, quando ele tinha dezessete e ela apenas doze anos, quando então tiveram 11 filhos, começando pela Primeira com nome de Anjo em 1899, antes da virada do século.

Como disse o caçula era Bastião e era os idos de 1921 quando nasceu, alguns poderiam analisar hoje em 2023, passados mais de 100 nos desta história e neste local, onde viviam em uma casa embrenhada no meio da serra mais alta do Município Paulista, Município estes que após esta data se desmembrou em pelos ouros 6 municípios.

Falando de Bastião, em 1921, sem fralda em uma casa de alvenaria e coberta de telhas de barros que tem quatro quartos, na verdade são apenas..................., medindo dois x dois e meio cada um, cabendo portando duas camas de solteiro ou uma cama de casal, com dois pregos na parede, para pendurar a roupa do dia a dia e outro para pendurar a roupa da reza do final de semana, portando não havia guarda-roupas, talvez no quarto do patriarca um baú para guardar alguma coisa mais importante.

Na cozinha um fogão de lenha com uma grande aba, para nos dias mais fritas aquecer os pés das crianças ou dos patriarcas sentados em banquinhos, e foi em um destes banquinha que a matriarca que se casou com doze anos já com quase oitenta anos cochilou e caiu, lesionando e nunca mais andando até a morte em 1961.

A casa toda com chão tijolados, já era de tijolos Queimados, já não era mais de taipa, que era barro arrumado, contudo as partes, pelos menos da cozinha era caiada com barro chamado de saibro branco ou amarelinho e pelo menos uma vez por mês para esconder os picumãs das fumaças do fogão de lenha que cozinhava os alimentos do dia a dia.

Um pequeno sitio de quarenta hectares, cheio de pedras, pequenas e também grandes, com alguns lajeados, algumas tocas de pedras, uma delas muito grande do tamanho de uma casa, onde servia para guardar os feijões arrancados para esconder das chuvas e outros alimentos; nascentes tinha entre outras a principal do bairro Barrocão e de onde enxerga no horizonte distância onde nos dias limpos a vista pode alcançar, mais de cinquenta quilômetros, ou quase doze léguas, em 1921, era mais usual medir distância em léguas, hoje em 2023, deste local se avista a noite umas oito cidades pelo menos, devido a iluminação elétrica das mesmas cidades onde podem ser avistadas inclusive da estratosfera; contudo naquela época, mesmo nos dias limpos de chuva, nuvens, neblina, a noite nada podia se ver, uma vez que a energia elétrica ainda não iluminava nenhuma cidade deste pais, as mais ricas podia ter em seus centros alguma iluminação com lampião de querosene.

Todo o sítio era muito íngreme, sendo que em poucos lugares no período da chuva conseguia as pessoas e os animais pararem de pé, viviam todos escorregando e caindo.

Mesmo durante o dia era impossível ver estas cidades pequenas, não havia prédios, a maioria das pequenas casas eram de madeiras sem pintura, cobertas com capim sapé, e isto para as casas melhores, poucas de alvenaria existiam.

Era época que a economia cafeeira ainda estava forte, antes da bancarrota de 1930, café este que tinha suas lavouras iniciada pelo rio de Janeiro, subido pelo vale do Paraíba, e chegado já nessa região pelos anos 1800 trazendo o progresso do trem de ferro1886, café este que iniciou nesta região no tempo dos bisa, ou tata avós do Bastião,

No início e ainda nesta época a serra teve a visita do machado de ferro com o qual as matas foram cortadas, transformada em carvão, e após o sistema “coivara”, queima do campo foram então plantado os cafezais, que levavam no ano sete carpas (capinação) , para então colher o fruto do ouro verde, que mantinha os proprietários no pequeno sitio anualmente para pagar as contas dos armazéns (uma vez por ano), toda a região era um mar de café, uma monocultura da época.

Hoje em dia quarenta hectares de terra mecanizável de cultura com equipamentos modernos produzem muita riqueza, mesmo que manejado por apenas um chefe de família, mas naquela época tinha que ter bastante filhos, para poder lavrar as terras, derrubando a mata, queimando o campo, plantando, feijão, milho, arroz, trigo, e café, este que era a colheita que se vendia para ir ao armazém trocar por outros alimentos, sal, etc. para então poder passar o ano, ou melhor pagar as contas de cadernetas no armazém, para poder continuar com o crédito de adquirir durante o ano que se seguia os alimentos necessários, como açúcar, quando não se fazia na propriedade, o sal que vinha de longe, alguns tecidos que eram chamados de fazenda, embora a maior partes de todas as roupas de toda a família eram costuradas de saco de açúcar ainda com as letras pintadas dos fabricantes, roupas estas que serviam para o trabalho diário e muitas vezes até para a reza na igreja do bairro nos domingos e dias santos. Em algumas casas com um pouco mais de recursos estes sacos de açúcar eram tingidos, para pós confeccionar as roupas.

Embora casa de alvenaria, embora grande não podemos esquecer que era uma grande família, aquela menina de doze anos, já logo após ano e pouco já tinha a primeira filha e quando chegou no Bastião vinte e dois anos depois, o caçula este era o numero o onze, a maior parte todos trabalhando desde os cinco, seis, sete anos, e a partir dos dez com obrigações de tarefa, chamadas de salaminhos, medidos pelo patriarca todos os dias, uma para cada filho, de segunda a sábado, doze e meia por doze e meia (braças de 2,5 metros), onde só poderia ter direito a comida quem tirasse a sua tarefa e aqueles mais fracos as vezes contava com a ajuda de um ou outro irmão mais forte, para não criar problema no dia a dia daquelas roças.

Bastião o caçula era protegido não só pelos pais, como pelos irmãos mais velhos, principalmente pela primeira que tinha o nome de Anjo, que a esta altura já com vinte e dois anos já havia casada e já morava em outra roça de café e outros alimentos, já com seus filhos pequenos para cuidar, inclusive quando Bastião nasceu, sua irmã mais velha já possuía um ou dois filhos, pelo menos o filho Dalirio.

Os filhos iam se casando, e se arranjando em pequenas casas que iam na forma de mutirão se levantando em volta da casa principal, muitos dos filhos se casaram e se mudaram.

Havia sistema chamado de mutirões para tudo, onde os trabalhadores trocavam dias, se juntavam os familiares, mesmo casados vivendo fora da casa dos pais, e outros vizinhos e cada dia ou a cada semana iam trabalhar em uma propriedade, que servia de estímulo, uma família a outra, para conseguir viver com aquela vida dura, aquela labuta no meio da serra.

A enxada comia solto nas poucas terras que se encontrava no meio das pedrarias daquela serra, onde o enxadão era o arado na terra e com a força bruta do velhos e jovens que tinha no seu dia a dia a tarefa de doze e meia por doze e meia braça e para tanto antes do amanhecer do dia já estavam no eito, no talião começando a tarefa medida no dia anterior pelo patriarca e assim a semana toda, para ter o direito então de dar uma fugida no sábado a noite para as rezas e terços nas igrejas do bairro, ou nas casas, onde após rezar, sempre tinha uma função uma cantoria, eram muitos cantadores, chamados de folgazão, sempre com modas novas, contando alguma história ou fofocas dos amigos dos bairros ou então de história que tinham ouvidos que vinham de longe, dos navios europeus que traziam famílias para as lavoura de café, substituindo a mão de obra escrava, ou apenas acrescentava, história que vinham das pequenas cidades, as modas de viola eram as histórias contada de boca em boca das notícias atuais daquela época, e não faltava depois as sanfonas para aquecer os jovens e velhos com danças de salão, os chamados arrasta pés, e os chachados.

Como disse Bastião tinha sorte de ser o caçula e ser poupado por alguns anos a mais, e nunca teve outra roupa que não uma camisola de saco de açúcar, que só começou a ser substituída por outras roupas depois dos dez anos.

No meio daquela serra as modas de violas nos finais de semana corria solto, logico que sempre depois das rezas, depois do terço completo, o patriarca era rezador, fosse a função em sua casa, ou nas vizinhanças do Bairro, ou até na capela. os rezados sempre o Patriarca presidia os cultos, para só então depois da reza liberar para as cantorias noticiosas, canta em forma de comédia ou drama, ou até em desafio onde as noticias todas do momento eram passadas para a comunidade, para então só depois começar o nheque nheque da sanfona para animar os arrasta-pés.

A morada do meio da serra tinha agua corrente carreada para o monjolo, que para os serviços maiores como despolpar café para a venda ou para uso, ou moer o milho e fazer farinha, despolpar o arroz, tudo era socado nos pilões do monjolo, somente quando não tinha no estoque os alimentos passado pelo pilão do monjolo entrava em ação então o pequeno monjolo da casa, onde duas pessoas uma de cada lado descia e subia os paus com duas mãos para tirar a casca do arroz, do café, e até do amendoim, quando não servia ainda para fazer as paçocas de amendoim com farinha de milho e açúcar, e ainda alguma paçoca de carne com farinha de milho, onde um pouco de gordura, e pouca carne com um pouco de sal, fazia então uma merenda fabulosa para a primeira alimentação antes do sol, no eito já suado pelo esforço de tirar a tarefa, passar o dia nos meios da tarde quando do fim das tarefas, para voltar para casa para descansar para o dia seguinte.

O dia sempre começava antes das cinco, muitas vezes lá pelas quatro já estava nos eitos começando as tarefas, e então para o descanso a noite não tinha lógico TV, nem rádio, então antes do escurecer, todos já estavam aninhados nos colchoes de palhas que eram fofeados semanalmente para se deitar no dia a dia.

A base das camas chamadas de catre recebia os colchoes para o aninhamento da família.

Nunca tiveram banheiros, nem dentro nem fora de casa em toda a vida, e olha que o patriarca deste sitio do meio da serra nasceu lá em 1880 e faleceu lá com 87 anos em 1967, mas sempre foi detrás da moita, e dentro da casa sempre o pinico esmaltada de branco.

O costume higiênico era lavar os pés todos os dias pra dormir numa grande bacia de alumínio ou zinco, onde a filharada fazia fila para o asseio, e os banhos corporais eram na bica ou riacho em dias especiais uma vez por semana.

Logo em seguida ainda menino Bastião viu os soldados da revolução de 1932, chegando naquela serra da divisa e usufruindo os soldados esfomeados dos alimentos e animais da propriedade, consumindo o pouco que tinham produzidos com muita luta.

Eram bombas, tiros, e Bastião moleque ainda com onze anos, sempre contava dos aviões que por lá passava que faziam todos correr para esconder nas tocas de pedras com receio de jogar bombas neles aqui embaixo.

Governo novo, revolução, logo pouco tempo depois veio a guerra mundial, e mesmos eles que viviam no meio da serra, todos analfabetos, com exceção do patriarca que sabia ler um pouco da bíblia e de uns livrinhos de reza, a criançada cresceu sem saber escrever, pois trabalhar era mais importante, todos depois aprenderam assinar o nome, até fazer algumas contas, mas nunca nenhum deles foram a uma escola.

Os filhos não tiveram esta oportunidade, mas os netos já tiveram uma menina professora que ia uma vez por semana ensinar o grupo de netos e assim foi por um pouco mais de seis meses, que esta menina viajava mais de uma légua a pé, para poder transmitir um pouco de conhecimento de leitura e para que estes netos então pelos menos assinassem o nome, quando fossem maiores.

Os cafezais após a bancarrota de 1930, e depois veio a guerra a região dos cafezais se tornaram economicamente inviável a labuta, então começou a debandada total daquelas pessoas e família, migrando para a cidade, como havia o trem de ferro em direção a Jundiai, e para lá que a maioria se instalou nas periferias, para trabalhar de boia fria, olarias e qualquer serviço que garantisse a merenda. 06.02.2024

estreladamantiqueira
Enviado por estreladamantiqueira em 01/04/2024
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