Fumaça 

 

O conflito já durava horas. Cidades estavam aos pedaços e nós já tínhamos destruído quase tudo. Meu corpo todo doía, tão entorpecido que eu quase não conseguia senti-lo mais. A poeira e a terra formavam uma névoa que subia cada vez mais alto, dificultando a visão ao redor. Só me lembro de sentir o meu uniforme todo rasgado, ouvir uma gritaria ao redor e os rumores de canhão que explodiam pelos quatro cantos.  

 

Eu estava prestes a desistir de tudo, quando então alguém me puxou pelo braço. Fui sendo arrastado em meio à multidão, enquanto esbarrava em corpos e tacos de madeira e tropeçava em fuzis abandonados. Me lembro de pessoas pedindo socorro, labaredas de fogo que subiam aos céus consumindo tudo o que encontravam pelo caminho. Enquanto eu continuava sendo puxado, cada vez mais rápido, com os olhos fechados e minhas pernas mal acompanhando o ritmo. Me lembro de descer e subir escadas e passar por um lugar escuro que se tornou claro logo em seguida. Não sei o que me fez seguir quem estava me puxando. Talvez fosse aquela confusão toda que eu não suportava mais. Eu simplesmente não suportava mais. 

 

Foi uma luta para me manter em movimento. Até que alguém soltou meu braço, me empurrando em direção à uma poça de água. Eu caí com tudo. Não conseguia enxergar sem meus óculos. Só consegui perceber que alguns rapazes correram para longe, e eu não tinha força para acompanhá-los. 

 

Ao meu redor, o cenário ainda era de destruição total. Prédios sendo destruídos, lugares pegando fogo, o barulho de passos apressados, uma algazarra total. Àquela altura, acho que já estava surdo. Pessoas passavam por mim, mas ninguém me via. Não estava entendendo mais nada, alguém precisava me ajudar.  

 

Até que uma bola de fumaça começou a se erguer perante a mim, sabe-se lá saída de onde. Uma fumaça escura, muita fuligem. E subia cada vez mais alto, mais alto. Círculos de fumaça se alastravam pelos lados, dando vida a outros círculos. Foi aí que percebi que tinha perdido todos os meus pertences. Mas continuava sentado ali, naquela poça. 

 

Aos poucos, com os olhos fixos na fumaça, percebo que ela começa a se abrandar, mudando de forma, tomando outra direção. Até que começa a tomar a forma de Mabelle. Era ela ali? Como podia ser?  

A fumaça se movimentava, as formas confusas, cada vez mais parecidas com Mabelle. Eu fiquei parado, não conseguia me mexer. A confusão continuava. Me pareceu que ela tentou me dizer algo. Um sinal, talvez. Mas foi tudo muito rápido, como um adeus.  

 

Então a bola de fumaça começou a subir cada vez mais, se desfazendo. Mabelle começou novamente a desaparecer, tão rapidamente quanto surgiu. Eu precisava acreditar que aquilo era real. Num ímpeto, então me levantei, dando saltos no ar, tentando pegá-la com as mãos, mas sem sucesso. A fumaça subia, até que desapareceu completamente. Fiquei perplexo, não podia ter deixado aquilo acontecer novamente. 

Até que, parado, perplexo, sinto alguém me puxar pelos ombros. 

 

- E aí, Guilherme?! Que é isso? Tá tudo bem, cara? Tô vendo você aí pulando que nem doido... 

- Parece que tinha alguém... 

- Que nada... Venha... Vamos sair daqui... 

 

Não consegui reconhecer o rosto do oficial que falava comigo coberto de fuligem e terra. Só sei que ele parecia confuso e apressado. Me puxou pelo braço, e eu segui seus passos, ainda atordoado pelo que acabara de ver. Um furgão, então, parou ao nosso lado, e rapidamente entramos para que ele nos levasse para longe dali.