UMA VIDA CHEGANDO E OUTRA SE AUSENTANDO

O sol começava a lançar seus raios dourados sobre a ciclovia, iluminando o caminho de Scaramouche enquanto ele pedalava com destemor aos seus 80 anos. O vento fresco da manhã acariciava seu rosto enrugado, mas seus olhos brilhavam com a vivacidade de alguém que descobriu o prazer tardio do ciclismo.

Naquela manhã peculiar em São Leopoldo, Scaramouche se deparou com uma cena que o fez diminuir o ritmo de suas pedaladas. Uma multidão se reunia em frente ao cemitério, acompanhando um cortejo fúnebre. O velho lutador parou sua bicicleta, curioso e reflexivo diante da efemeridade da vida.

Seus olhos se fixaram em uma senhora que, entre os presentes, carregava uma bolsa incomum. Ao se aproximar, Scaramouche notou que não eram flores que repousavam ali, mas sim um bebê nos primeiros dias de vida. Uma vida que começava enquanto outra se despedia.

O silêncio pairava no ar, quebrado apenas pelo murmúrio distante do cortejo. Scaramouche observava, perdido em seus próprios pensamentos. Naquela bolsa, uma nova jornada se desenhava, enquanto o carro funerário carregava consigo as memórias de uma jornada concluída.

A senhora caminhava com passos firmes, um misto de dor pela perda e esperança pela chegada. Scaramouche sentiu uma mistura de emoções, como se a vida se desenrolasse diante dele em toda a sua complexidade.

Ao olhar para o cortejo, viu rostos marcados pelo tempo, testemunhas de inúmeras histórias, cada uma delas única. A finitude da vida estava ali, mas também o início de uma nova geração.

Montado em sua bicicleta, Scaramouche experimentou a dualidade da existência. A ciclovia se tornou um palco onde o passado e o futuro se encontraram, onde a fragilidade da vida se entrelaçou com a força inerente à renovação.

Com seus 80 anos, Scaramouche, o lutador sobre duas rodas, continuou a pedalar, levando consigo as imagens daquele momento singular. Uma cena que transcendeu o simples ato de pedalar, transformando-se em uma meditação silenciosa sobre o ciclo eterno da vida.

NERI SATTER – JANEIRO DE 2024   CONTOS DO SCARAMOUCHE

Scaramouche
Enviado por Scaramouche em 20/01/2024
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