O modelador de nuvens
Sempre admirei pessoas que desejam realizar coisas incomuns, ou que escolhem profissões diferentes. Mas o Joquinha era demais. Desde pequeno ele queria ser modelador de nuvens. Sabe aquela coisa de ficar perguntando para a criança o que quer ser quando crescer? Pois é, alguém sacaneou o Joquinha e botou na cabeça dele que seria um grande modelador de nuvens, que assim se tornaria famoso e seria muito feliz. E o menino cresceu com essa ideia fixa na cabeça, completamente fora da realidade.
No colégio, já consciente da bobagem que era ser modelador de nuvens, quando começava a gozação, ele entrava na onda. Acendia um cigarro, fazia anéis de fumaça e dizia: “Tá vendo? Impossível não é”.
Quando chegamos aos vinte anos, os meninos da nossa geração quase todos foram para cidades grandes fazer faculdade e procurar empregos. Joquinha fez vestibular para Engenharia Mecânica. Depois disso nunca mais ouvi falar dele.
Muitos anos se passaram até que, nas férias de 2012, fui visitar meus parentes na velha e querida cidadezinha de interior onde cresci. Fizemos um bom churrasco, bebi várias caipirinhas, acrescentei meia dúzia de cervejas, na sobremesa tinha um licor de pêssego irresistível. Lá pelas quatro da tarde pendurei uma rede no pomar e fui cochilar. Acordei com o alarido da parentada: “Olha, é um navio... É mesmo! Um navio bem certinho. Nossa! Tem até fileira de janelinhas. Veja, tem uma âncora pendurada na frente...”.
Fiz um esforço para levantar da rede e fui lá, onde todo mundo olhava o céu. E de fato lá estava uma nuvem branca e cinza com o formato de um navio. Uma obra de arte.
Eu não queria acreditar. Alguém comentou que dias antes tinha passado uma nuvem com a forma de um trenzinho maria-fumaça. E logo começaram as histórias. Já tinham visto uma casa tipo bangalô com fumaça saindo pela chaminé, uma Nossa Senhora Aparecida, no dia 12 de outubro, uma caravela no dia 21 de abril, o rosto da Miss Brasil, o Monte Fuji...
Eu não estava entendendo bem aquela conversa.
— De onde é que vem isso tudo? perguntei.
— É o Joquinha. Lembra do Joquinha, o José Francisco, filho dos Haymann? Dizem que ele vem visitar os pais e sempre faz alguma surpresa.
Fiquei de boca aberta. Os comentários continuavam animados.
— Ele tem é que ir morar nos Estados Unidos, ou no Japão... Lá, com um talento desses ele pode ganhar uma fortuna.
— Pode ser, mas quem compra nuvens modeladas? Alguém perguntou, alguém respondeu:
— Sempre tem grandes eventos. Não tem a Esquadrilha da Fumaça, não alugam balões, não fazem propaganda com aviões? Tudo tem serventia, pra tudo tem um jeito de fazer dinheiro.
— E como é que ele faz essas coisas?
— Sabe Deus! Se soubesse, eu não contava pra ninguém.
Enfim, foi assim que fiquei sabendo que Joquinha conseguiu realizar seu sonho impossível de menino. Quem diria! Eu já tinha visto domador de crocodilos, treinador de lesmas, interlocutor de espíritos, alpinista de sequóias, desenhista de corais, cantor de ópera, todo tipo de sonho esquisito realizado, e até ouvi falar de um calibrador de pimenteiras, que conseguiu emprego na Embrapa.
Nunca pensei que Joquinha se tornaria de fato um modelador do nuvens. Me enganei. Ele deu um jeito de realizar o impossivel. Mas tem uma coisa que não tem jeito pra ninguém. Nem Joquinha conseguiu enganar a morte, e morreu novo ainda.
No último fim de semana, fui visitar meus parentes na cidadezinha natal. E, como se tornou meu hábito nessas ocasiões, tirei o sagrado soninho da tarde numa rede pendurada no pomar. Estava dormitando, e de vez em quando espiava a copa das árvores, as folhas dos palmiteiros marcando a velocidade e a direção da brisa. E, de repente, lá estava: uma nuvem com formato de esquife. Não podia ser, com certeza era outra coisa... mas não, tinha as alças do caixão, os candelabros, uma coroa de flores... tudo certinho. Meu coração ficou apertado e sentiu que essa era a despedida de Joquinha.
Fiquei bem triste com a morte do amigo de infância. Nunca mais o tinha encontrado, mas não vou deixar de sentir saudades dele e das lindas nuvens artisticamente modeladas. Mas... peralá! Se Joquinha estava morto, quem modelou a nuvem? Caramba!
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PS. Investigando no campo da ficção científica, descobri como é possível modelar nuvens. A tecnologia ainda não existe, mas é perfeitatamente viável. Depende apenas da invenção de algum material muito leve, como por exemplo alguma evolução da fibra de carbono. Com ele, você constrói uma estrutura mais leve que o ar, no formato desejado, ioniza a estrutura e a lança na atmosfera, como um balão de São João. A ionização atrai o vapor de água existente na atmosfera, que se concentra em torno do objeto, formando uma nuvem. Que tal?