DO PARADOXO DO PARTO
I. DO PARADOXO DO PARTO
Nasceu. A criatura sem dono e cuja descendência é ainda um mistério. Promovedora da iconoclastia, cultuada ou combatido pelos homens póstumos atingirá seu objetivo final invariavelmente. Ser desgraçado, que parece não-socializado, ignora ou aparenta nada além de desdenhar toda a coação vigente. Parece ter vindo do alto da montanha. Mas sua serenidade, seu ascetismo inoculado por uma estranha empáfia, fenecem se comparados, em caráter temporário, à brutalidade de ações pontuais. Ações outras que evocam uma furiosa correnteza, que desvirtua qualquer posição emérita entre estes que, ele sim – e somente –, denomina fracos. Ele, o denominador (e destruidor), o rebento anti-civilização. A figura marginal que pouco ameaçava, agora no papel de protagonista. Todas as certezas ocidentais, se é que ainda mereceriam tal designação, de repente soltas no vácuo, se assimilam ao próprio nada em que trafegam. Cada vez mais. Os contornos dos valores erigidos em milênios ficam difusos. Confundem-se contornos de dois ou mais objetos antigamente rijos; bem como contornos conjuntamente alinhados ou contrapostos e o fundo inócuo, onde se deveriam assentar todas as justificativas...
Quem é essa criatura, potencialmente a inutilizadora futura de quem dela trata, uma vez que a linguagem corre sério risco? A encarnação niilista e quase amorfa – ainda é feita do que o conclamado saber instrumental chamaria de carne – da História do mundo, ela própria fragmentada em multimundos pede, ou exige, o tombamento de todas as ideologias. Artigos de luxo e vindouras exposições e simulacros. A forma perfeita de entender, pela abstração laboratorial, a vitória irrevogável da própria ausência de qualquer entendimento. Alguém ainda respirará abaixo dos escombros após tempo suficiente? Talvez os bárbaros sucedâneos. Mas que visão impossível é a sociedade dos bizarros, clones (mal-feitos, o que significa que a intenção original fôra cumprida) do primeiro, justamente no que constitui uma não-sociedade, o esmagamento da interação discursiva mais simplória. Um ser, na hora apropriada, rui cem por cento dos pressupostos e exibe, glorioso, a coroação do pastiche? Por quê? Que fragilidade “inauditamente projetada” houve nas estradas, cidades, portões e desertos? Tecnicamente, a presença do ser, carnudo, jamais pôde ser exposta doutro modo que não uma descrição desonesta para com a própria falta de relevância?
Ora, nasceu também o relato. Uma peça elaborada, galgada no mundo já embebido, em sua essência, pela soma das lápides. Que quer dizer então? O indizível. A alegoria da caverna de Platão tampouco melhora as coisas...
II. DOS MAIS DIVERSOS RAIOS DE LUZ QUE OFUSCAM: ECCE CIÊNCIA PRAGMÁTICA!
O fim encetou pelo primeiro cerco. Balbucios arautos da verdade. A verdade do jogo, ou seja, uma cópia eternamente imperfeita da sede, grega ou cinematográfica. Estática ou com rotações digitais. Há a intriga, cotidiana, há o combate paulatino, existe a rebelião única e também já foi visto o projeto monumental da conversão da luz exterior em nova sombra das paredes. Destas todas, o homem se dá sobretudo pior com a luz irritante, porque onipresente mas sequer intensa, dos interesses diários, entre os quais, inclusive em vida, a mínima metafísica ou teleologia é deixada de lado e os prejuízos são imprevisíveis mesmo para o mais amoral (e não falo do ser). Claro, porque – ativada a linguagem – a noção de prejuízo é forte em demasia perante os corações – ou os olhos.
III. DA SUPERAÇÃO, VIA CORPO
Cingir a realidade não é o caminho. As ganas de conhecer fora-de-si são vontade de ser pedra. Institucionalizo essa condição para a correspondente volição. As pantomimas na tal luz encontram subsídio. Desejo a experiência máxima? A verdade é real; encontra-se no corpo. A verdade não é. O verdadeiro sempre corre, conquanto não foge de alcance ao bom usufruidor. O impulso de deus sombreou. Na estalactite da caverna a dor, sem ter como alegar que para além da cruz esbarra-se com o antídoto. Deterioram-se as panacéias débeis. Questão de tempo que o entardecer ensine à carne depauperada a dialética da não-contradição: torna-te aquilo que tu és.
IV. DO INAUDITO
Somente sei que o que jorra agora é o sangue, e a gargalhada parece o correr de um rio. Não há mais pingue-pongue. É a vida embebida na imortalidade dolorosa da carne. Benévola, livre, a criatura se refestela. Já não é a verdade que se isola, que não ecoa para outro senão para si. O homem se reconciliou com seus pais: a volição e a matéria.