João, um idoso sábio e solitário, morava em uma cabana rústica nas tranquilas terras do interior do Rio Grande do Sul. Sua casa ficava à beira de um lago sereno, cercada por uma paisagem verdejante e misteriosa que ele amava explorar em seus passeios diários pelo mato.
Um desses dias de exploração revelou a João um tesouro inesperado: uma flauta esquecida, escondida sob as folhas caídas. Era pequena, mas perfeitamente esculpida, como se estivesse esperando por ele. A curiosidade fez com que João a levasse para casa, e ali, na solidão de sua cabana, ele decidiu aprender a tocá-la.
Sem nunca ter tido lições formais, João deixou-se guiar pela intuição. Começou a explorar os sons que ela podia criar. Ao longo do tempo, suas mãos ágeis e sua mente criativa deram vida a melodias.
João descobriu que, sempre que tocava sua flauta na área ao redor de sua cabana, os pássaros, atraídos pela melodia única, vinham voando para se juntar a ele. Livres, eles entoavam seus próprios cantos, como se respondessem às notas tocadas por João. A cena era um espetáculo harmonioso, uma colaboração entre a música humana e os sons da natureza.
O idoso encontrou grande alegria nessa companhia especial. Ele tocava, sentindo a presença dos pássaros, como se estivesse se comunicando com eles através da linguagem universal da música.
No entanto, como é o curso da vida, João eventualmente tomou a decisão de se mudar para a cidade. O tempo havia deixado suas marcas, tornando as caminhadas pelo mato mais difíceis e a solidão mais pesada. Com uma nostalgia silenciosa, ele guardou a flauta em uma caixa e deixou para trás a cabana à beira do lago.
Na cidade, João envelheceu ainda mais, e suas mãos perderam a destreza de outrora. A flauta permaneceu silenciosa em sua caixa, esquecida como um eco distante do passado. No entanto, mesmo que João tenha parado de tocar, as memórias daqueles dias mágicos permaneceram vivas em seu coração.
Neri Satter – Novembro de 2023 CONTOS DO SCARAMOUCHE
