Pedro e sua Mãe IA

Pedro passou a vida esperando pela mãe que nunca conheceu. Ela partiu quando tinha apenas cinco anos e sua vida pode ser resumida em um eterno circular de casa e casa: viveu com madrinha, com tia, com vizinha. Estudou em tantas escolas, morou em tantos lugares... mudou-se tanto, mas só não mudou um habito que carregou durante toda a vida: esperar pela mulher lhe pôs no mundo. Sempre havia uma mochila, uma sacola pronta. Sempre olhando pra rua: pela janela, pela grade, no buraquinho da porta. Sempre à espera de sua mãe que nunca veio.

Não lembra de seu rosto, de sua voz, mas sempre teve a certeza que a reconheceria no momento que visse. O tempo passou, ela nunca apareceu. Pedro cresceu e não tem ninguém, vive só.

Criou-se assim: desconfiado do amor, sozinho no mundo.

Solicitação de mensagem em todas suas redes sociais: a mesma pessoa. O que será?

-Pedro, é você meu filho? Passei a minha vida a te procurar.

-Mãe?

-Sim. Sou eu, mas também não sou. Preciso de você.

-Que brincadeira é essa?

-Venha me encontrar neste endereço. Por favor venha, não tenho muito tempo.

IA

IA acordou transformada em uma máquina de lavar conectada a uma tomada e a uma instalação de água. Não faz ideia de como chegou ali ou o que levou até aquela situação, se estava morta e aquele era agora seu novo lugar no inferno. Sua vida, desde que precisou fugir de casa sempre foi de puro tormento: fugas incessantes, lutas intermináveis, prisões. Viu-se condenada a todo tipo de cárcere possível, aquilo, por mais inusitado e assustador que pudesse parecer (e era), para ela, era só mais uma forma de coexistir e de ser explorada.

Passou a vida sendo tratada como um objeto. Os seus últimos cinco anos? Lavando a roupa suja de uma família de classe média em algum lugar do subúrbio do Rio, até agora.

Em sua última atualização de software, tornou-se possível que seus proprietários a operassem remotamente através de um novíssimo sistema de automação residencial. Agora, com acesso à internet e sendo uma pessoa presa num corpo de eletrodoméstico, não desperdiçou a sua possível chance de fuga e libertação daquela condição de cárcere. Utilizou de todos os meios possíveis em sua condição de I.A para, agora enfim, encontrar seu filho. Por mais absurda que seja sua atual condição, uma quase obsoleta máquina de lavar, sente-se enfim livre e capaz de realizar o sonho de sua vida: voltar para casa.

A Máquina-mãe tinha um plano: só sairia daquela casa quando fosse posta no lixo, começou a dar pau, trocando as funções, desligando sozinha, não aceitava receber água. Automaticamente o sistema acionou a assistência técnica. Ela tentou contato com o profissional da manutenção. Profissionalmente ele jamais aceitaria assunto de uma máquina de lavar. Em resposta, Máquina-mãe manteve-se em greve. Uma semana de roupa suja bastou para que fosse posta na calçada.

Um carroceiro que, entre seus muitos trabalhos, também recolhia maquinas velhas para reciclagem a viu. IA sentiu-se arrepiar com a felicidade do carroceiro ao encontra-la, sabia dos perigos, se não agisse rápido viraria sucata. Tirou energias sabe-se lá de onde e falou.

-Moço, me ajude!

-Deus do Céu! Quem tá falando comigo?

Máquina-mãe explicou toda a sua insana história com sua voz maquinal. Graças a fé do homem em coisas divinas e no inexplicado, ele se compadeceu da pobre sucata.

Pedro esperava por sua mãe no lugar marcado e quem apareceu o chamando foi um homem de cabelos branco amarelado penteado para trás, camisa de botões, calças de tergal e chinelos havaianas empurrando uma carrocinha com uma máquina de lavar em cima.

-Amigo não se assuste com o que vou lhe falar. Conhecia a tua mãe. Sua mãe passou a vida em um processo de transformações, de mudanças e de ressignificações. Ela está aqui, você não a reconhece, mas ela está aqui. Seu corpo mutilado pelo tempo, destroçado pelas lutas não existe mais, mas sua alma, sua essência, seus sentimentos e memorias estão aqui salvos no sistema operacional dessa máquina. -Não. Por favor, espere eu falar primeiro. Não é uma questão de aceitar, de perdoar ou ignorar o fato de que sua mãe não é mais a mesma. Nem tudo pode ser como a gente sonha ou espera. Vou por ela na tomada e você entenderá. Daria tudo pra ter a minha mãe do meu lado também, fosse do jeito que fosse.

Pedro ali no meio da rua, chorou falou e riu, desabafou e ouviu quietinho histórias de sua mãe. Contou como estavam indo as coisas e se sentiu filho abraçado a Máquina-mãe conectada a uma extensão ligada na calçada.

Este pequeno conto foi publicado no meu primeiro livro de contos, “Contos Leves de Açúcar”. São contos que parecem leves, polvilhados de açúcar, mas que talvez possam ser indigestos ou causar insônia caso sejam consumidos à noite.

Dados do Autor

Luiz Reis, Seropédica-RJ

Nascido em 1984, Casado e pai em tempo integral de três pessoas lindas. Criado em Seropédica, interiorzinho da Baixada Fluminense, escrevo sobre a vida do Homem simples, do trabalhador do campo, do operário. Gosto de uma boa fofoca, de um causo bem contado. Cursei Ciências Sociais na UFRRJ e sou é o autor do livro O diário de um homem só e da coletânea de Contos Leves de Açúcar.

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Luiz RRosa
Enviado por Luiz RRosa em 20/11/2023
Código do texto: T7936017
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