O livreiro
São três horas da tarde de uma quinta-feira.
— O problema é aquele conglomerado estadunidense. — Diz o dono do sebo enquanto passa a borracha nas páginas maculadas por manchas de tempo e poeira do velho livro que lhe ofertei. — Que empresa?— Pergunto para alongar o assunto e tentar conseguir um preço melhor, mesmo que por dó ou empatia.
—Você sabe qual é, não digo o nome pra não atrapalhar sua vida, sei que vai escrever e publicar este diálogo. Há também aquela plataforma, aplicativo, estante sei lá o que... Hoje em dia está tudo muito confuso, líquido como diria Bauman. Acho que não irão te processar ao citá-lo. Outra coisa é que hoje todo mundo se acha livreiro. Por exemplo, esse livro que você está me vendendo é bom. Há ilustrações coloridas, mapas, conteúdo, mas olha aqui. — Mostra-me a tela do celular mostrando a mesma obra sendo vendida online por um preço que não paga um prato feito . O sino da porta soa indicando que um possível cliente entra. Folheio uma obra Graham Greene enquanto espero meu colega atender uma adolescente acompanhada da mãe que deseja trocar livros de um bruxinho que fez sucesso por outra coleção de outra ficção infanto-juvenil que também virou série de TV.
Um garoto tenta impressionar sua namorada com um livro de quadrinhos desenhado pelo Robert Crumb cujo o protagonista
é Harvey Pekar. Vendi esse exemplar semana retrasada e sinto raiva de mim mesmo ao vê-lo sendo comprado por uma nota azul reluzente que vale o quádruplo do que ganhei. Dou de ombros e ouço barulho de água fervendo na cozinha e tenho vontade de beber café.
A jovem sai risonha e a mãe com a cara cinza. Atrás do balcão o livreiro confere o dinheiro que tem no bolso e saca duas notas miúdas. Recebo sem sorrir, mas não sinto raiva ou revolta. Se não fosse a pressa de pagar as contas nem pegaria dinheiro vivo e faria um rolo com uma edição rara de uma obra obscura de Thomas Hardy.