Lobo do Deserto
Era uma excursão. Subiam pela estrada a noventa graus de cactos deitados, que depois mudavam para quarenta e cinco e, por fim, para zero, fazendo os cactos ficarem de pé (como deveria ser).
Iam para a praia, jovens em um ônibus, que estava no limite de passageiros. Entre todos os jovens havia um homem mais velho, além do motorista.
Chegaram ao destino e o motorista foi embora. O destino era uma vila de fundações na areia, na beira da praia, ou no limite entre a praia e o deserto… era difícil diferenciar quando tudo era areia. Ninguém sabia como as casas ficavam de pé. Cogitavam as fundações estarem fincadas a metros de profundidade, ou que as casas também fossem de areia, mesmo tendo a aparência de madeira.
Melissa, com beleza que qualquer um desejaria, sozinha, antissocial, tentou conversar com Henrique. Henrique, por sua vez, feio que dói, mas muito simpático e sociável.
— Oi, Henrique né? — perguntou a menina, sem graça — também está sozinho?
O rapaz, no ápice da feiura e loucura respondeu:
— Oi gata, to sozinho sim, se aceita descobrir o vilarejo comigo… vamos?
Ela assentiu com a cabeça e os dois foram andando pelas casas, ignorando todos os outros passageiros, já então visitantes.
Andaram e andaram. Entraram nas casas: não tinha nada e ninguém. Foram visitando todas as casinhas da vila, mas sem encontrar nada. Nessa altura da noite estavam todos os visitantes em torno de fogueiras.
Continuaram andando, até encontrar um pequeno estabelecimento, que parecia uma mercearia. Melissa e Henrique entraram e andaram por entre as prateleiras. Quando chegaram perto do caixa Henrique tentou roubar um beijo, mas foi interrompido por uma voz cartunesca:
— Humanos! Ajudem-me!
Naturalmente o rapaz se afastou da moça. Olharam, assustados, por cima do balcão e se depararam com um lobo, negro e magro, parecia desnutrido. Eles queriam correr, mas o lobo chamou:
— Humanos! Não vão! Só preciso de um favor!
Se entreolharam, olharam para o lobo, mas, por fim, sucumbiram ao apelo do animal. Melissa pediu para que o lobo se explicasse. Então ele começou:
— Sou um humano como vocês, mas me transformei nesse lobo. Preciso de carne fresca para voltar para minha forma normal.
— Qualquer tipo de carne? — perguntou Henrique — não temos muito disso conosco.
— Pode ser carne humana mesmo — continuou o lobo — mas não se preocupe, se me derem um braço eu devolvo. Vai ser indolor.
Henrique, para impressionar a garota, aceita dar um pedaço do braço ao lobo. Estendeu o membro e fechou os olhos. O lobo abriu a boca descomunalmente grande e abocanhou o braço. Jorrou muito sangue e a dor era lancinante.
Melissa puxou o outro braço de Henrique para que fossem procurar ajuda. Entretanto, o lobo não se transformou em um humano.
— Acho que preciso de um corpo inteiro — disse o animal rindo maliciosamente.
O lobo pulou em cima de Henrique e começou a devorá-lo lentamente. Melissa saiu correndo e foi até a fogueira. Suplicou por ajuda, e o homem mais velho, empunhando uma espingarda seguiu-a.
Quando chegaram ao estabelecimento, o homem com a espingarda apontada para frente e Melissa recuada encontraram Henrique, inteiro e deitado no balcão, dormindo, sem nenhuma gota de sangue.
O homem cutucou-o com a espingarda e ele acordou, assustadíssimo, dizendo que foi devorado por um lobo. Apalpou os membros inferiores e superiores, e constatou que estava inteiro.
O homem imaginou ser só o calor escaldante, mas notou que a voz de Henrique estava diferente, e que ele estava com muita fome. Henrique se mantinha são, mas já não era mais o brincalhão alegre que fora. Agora era taciturno e carregava uma expressão apática. Talvez não foi o lobo que devorou ele, mas ele que devorou o lobo.