FINAL DA HISTÓRIA

- Papai, conta outra história.

- Tá bem, filha. Era uma vez...e, não lembro! – vem história, kd você? (gritei)

- Não quero mais. Não sabe contar histórias – disse uma voz em primeira pessoa – só conjuga verbos errados. Cheio de clichês. Esse narrador é do passado.

- Que é isso história? Assim que trata o narrador? Logo eu que te dou voz!

- Sai fora narrador. Nem sabe me contar direito. Fica aí enrolando sua filha. Nina ela, cansa no parquinho, dá o celular! Não me use para seus interesses. Mostre! Não conte comigo.

- Vou te dar um final feliz. Um desfecho com chave de ouro. Um final imprevisível. Para de monologar comigo e sai da minha cabeça.

- Você já foi mais criativo, narrador. Então, onde anda sua originalidade?

- Está certo. Vou te planejar. Te imaginar direitinho. Seu fim será eternizado em alguma página em prosa. Vou te dar um nome.

- Não quero holofotes! Apenas um final digno, simpático.

- Tudo bem. Prometo que vou te livrar das orações prontas, das vírgulas. Dos advérbios, das frases longas, até tento; meu professor de escrita criativa inventa muitas regras para te contar, por isso você fica presa no ventre!

- Virei merda? Estou enfezada! Agora que não saio mesmo.

- Ainda bem que ela dormiu. Agora podemos discutir mais alto.

- Cale-se!

- Ninguém fala assim com um artista! Que história é essa? Está aditivada?

- Olha o preconceito. Essa conversa está sufocando minha narrativa.

- Baixe o tom para não acordar ela, historinha de pescador...

- Me chamou de fantasiosa?

- Sim. Agora quem não quer discutir sou eu. Se recolha ao seu significado. Você não tem verossimilhança, nem polissemia e nem pedigree.

- Me ofendeu, narrador atrevido! Antes de encerrar o papo, vou te fazer perder o sono. Sabe de onde vem essa voz?

- Você não tem voz, nem vez, nem voto.

- Cuidado com o que diz! (ou escreve). Não sou monólogo, nem fluxo de consciência, perceba nossa pontuação =)

- Que?!

- Estou fora de sua cabeça!

- Está doida.

- Doido é o narrador que alucina na cafeína.

- Levante-se da cama que está apertando sua filha; Abra o guarda-roupa que me encontrará.

- Logo vi que essa conversa não ia terminar como uma fábula.

Ao abrir a porta amarelada do roupeiro, procurei identificar de onde vinha aquela voz chata que me fez trocar de travessão ao longo do texto. Vi uma caixa de madeira com um cadeado de segredo, desses pequenos. Como tenho vários cadeados, depois de testar uns três “segredos”, consegui abrir o baú. Respirei um mofo amadeirado com resina de cedro e lá tinha umas pedras semipreciosas, alguns álbuns de fotos 10x15, algumas cédulas e moedas sem valor e um resto de “umbigo”. Um coto falastrão, cheio de histórias. Foi cortado ou caiu de algum ser vivente que não faço ideia de quem seja e parou no fundo do meu baú. Voltei para minha cama e apaguei.

Quando acordei, para não ser antipático, apanhei o coto umbilical, fui a uma plantação de frutas da vizinhança, joguei ele para cima e bradei:

- Vai plantar bananeira!

Isaac Machado Azevedo
Enviado por Isaac Machado Azevedo em 10/09/2023
Código do texto: T7882466
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