Violão Funesto
Era uma quarta-feira como qualquer outra. Fui chamado para tocar para um paciente em estado terminal.
Peguei meu violão e fui para o hospital em que estava. Chegando lá me identifiquei e disse que visitaria João Pedro. Não queriam deixar eu entrar com o violão, mas após uma conversa e algumas ameaças me deixaram entrar.
Fui andando pelos caóticos corredores, cheios de macas e alguns doentes sentados no chão. Após alguns minutos cheguei ao quarto.
Estavam lá o paciente, olhando pela janela com uma expressão de conformidade e aceitação, e em contrapartida estava um homem e uma mulher, que supus que fosse seu pai e sua mãe, ambos com tristeza e segurando para não chorar.
— Boa tarde senhores – disse acenando para eles – vim fazer o combinado.
Os pais se entreolharam, e com uma lágrima escorrendo no rosto da mãe ela confirmou com a cabeça.
— Então JP, posso te chamar assim? – perguntei.
— Tanto faz, me chame pelo que achar melhor – respondeu João Pedro se virando para mim.
Acenei com a cabeça para ele, me virei para os pais e alertei:
— Saiam do quarto… vocês não podem ouvir.
A mãe caiu em choro nos ombros do pai. Ele secou o rosto da mulher e deu a mão para ela para saírem do quarto.
— Você sabe que vai morrer, não sabe? – perguntei para JP após seus pais saírem do quarto.
— Eu sei, eles sabem, você sabe, o hospital sabe… não sou criança.
Sorri enquanto tirava o violão da capa.
— Você vai me matar? – perguntou o paciente – suponho que tocará uma música para mim. Você é mágico?
— Não sou mágico, o violão que é – respondi empunhando o violão – e sim, tocarei uma música para você, mas você tem que concordar que só pararei de tocar quando você estiver morto.
— Você é curto e grosso, gosto disso – elogiou JP – e sim, aceito que você pare apenas quando eu estiver morto.
Afirmei com a cabeça e disse:
— Vou começar em 3… 2… 1…
Comecei tocando a música vagarosamente. Nota por nota numa alegre melodia. JP estava olhando para o teto, expressando relaxamento. Após meio minuto comecei a tocar mais rápido. João Pedro começou a ficar levemente inquieto, mas ainda olhava fixamente para o teto.
Quando completei um minuto de música acelerei mais ainda, tornando a melodia um pouco caótica. Nesse momento JP arregalou os olhos dizendo:
— Essa é a música mais bela que já ouvi, por favor, não me deixe morrer!
Continuei tocando o violão sem dizer uma palavra. O paciente começou a lacrimejar.
— Recomece a música, por favor! – pediu JP em prantos – tenho que ouvir mais uma vez!
Ignorei seu pedido e continuei tocando, agora mais rápido ainda. Enquanto isso JP ficava cada vez mais desesperado, querendo ouvir um pouco mais dessa música.
Continuei tocando, até dar dois minutos e meio, quando ele fechou os olhos serenamente e faleceu com um sorriso no rosto.
Guardei o violão na capa, coloquei nas costas e saí do quarto. Na porta estava seus pais e uma enfermeira, caídos no chão, provavelmente mortos.
Pulei seus corpos e saí tranquilamente do hospital, me despedindo de todos os funcionários que encontrei no caminho, e triste por não ter como receber o pagamento do meu serviço.