Caverna do Esqueleto
Boa noite meus caros, me chamo Francisco, porém como as últimas pessoas com que tive contato podem me chamar de Esqueleto.
Contarei hoje minha história de como vim parar nesta caverna e como me tornei esse amontoado de ossos que sou.
Primeiramente, estou aqui faz uns duzentos anos. Na verdade depois do quinto ano parei de contar, então chuto que seja por volta de duzentos anos.
Vim para cá quando eu estava me decompondo. Como assim eu estava me decompondo? Estava me decompondo mesmo, podre e fedendo, com larvas e fungos comendo meu corpo. Como que uma pessoa viva estava se decompondo? Simples: fui amaldiçoado pelo dono de uma padaria.
Agora você deve estar pensando: por qual motivo fui amaldiçoado? É nesse ponto que entra a bela moça chamada Maria Clara, filha do dono da padaria.
Conheci Maria enquanto ela trabalhava no estabelecimento de seu pai. Ela era linda, mesmo com as mãos e o rosto sujos de farinha. Ficávamos conversando sobre os mais diversos assuntos, até o pai dela a chamar para ela voltar a trabalhar.
O pai dela não gostava de mim por um único motivo: eu era pobre. Eu também não gostava dele mas eu tinha que aturá-lo chamando a minha paixonite para trabalhar e me nomeando de apelidos maldosos.
Foi em um dia desses, quando nós conversávamos e planejávamos um lindo encontro sob o céu estrelado de inverno que seu pai nos interrompera:
— O que vocês pretendem fazer durante a noite? Maria você não sairá com ele em nenhuma noite sob hipótese alguma.
Sarcasticamente respondi:
— Ora meu caro, acho que não pode controlar sua filha com a mesma facilidade que controla esta padaria.
O homem ficou furioso. Batendo com os punhos no balcão ele disse:
— Seu maldito moleque pobre, te amaldiçoo a apodrecer até perder todo seu resquício de juventude.
Ao ouvir isto, eu gargalhei. Me levantei do banco de madeira, dei as costas para o homem e saí pela porta principal. Eu não levei a sério sua maldição, até chegar o dia seguinte.
Acordei e como sempre fui para o banheiro lavar o rosto. Olhando para o espelho percebo que estranhamente eu estava inchado, mas achei que não fosse nada. Lavei meu rosto e fui para a padaria conversar com Maria.
Chegando lá fui questionado por ela:
— Nossa Francisco, porque está tão inchado?
— Não sei, talvez eu tenha comido algo que me deixou assim ou só dormi mal mesmo – respondi alegremente.
O assunto foi cortado pelo pai de Maria que disse:
— Olá Francisco, está com os dias contados hein.
Eu somente ignorei e fui trabalhar. Eu estava estranhamente fraco, mal conseguia carregar as sacas de farinha de milho. Os mosquitos me cercavam e pousavam em mim.
Os dias foram passando até chegar ao terceiro dia após a maldição. Eu estava com a pele escurecida e estava seco. Foi nesse momento que percebi que a maldição funcionara.
Passei pó de arroz no rosto com o intuito de disfarçar o meu estado. Me vesti com calças e com camisa de manga comprida. Também vesti luvas e calcei um par de botas.
Como sempre passei na padaria e fui questionado pela Maria:
— Nossa Francisco, você está pálido, seco e fedido.
— É, realmente estou acabado – respondi com tristeza no olhar.
— Mas vamos sair hoje a noite ainda – confirmou Maria confiantemente.
— Acho que não vai querer – inferi batendo a ponta dos dedos no balcão.
— Vamos sair sim – interrompeu Maria – hoje a noite passo na sua casa para irmos ver o céu estrelado.
Somente assenti com a cabeça, e saindo pela porta principal me despedi:
— Tchau Maria, até a noite.
Nesse dia fui trabalhar, mas estava muito fraco. Enquanto eu sofria para levantar uma saca meu chefe perguntou:
— Francisco você está bem? Você está magro, pálido e fedendo muito – se quiser pode ir embora.
Então saí do galpão e fui em direção a casa. Fiquei pensando como contaria para Maria que eu estava apodrecendo: se eu contasse ela não acreditaria, mas e se eu mostrasse e ela achasse muito indecente da minha parte mostrar meu corpo por aí? De uma forma ou outra ela deveria saber disso, então resolvi que falaria e mostraria para ficar explícita minha situação.
O tempo foi passando e eu estava deitado esperando a noite chegar. Não comi nada pois não precisei nem me atrevi a beber algo e ficar fedendo mais ainda.
Chegou a noite e Maria bateu à porta de casa:
— Francisco, cheguei. Vamos logo!
Me levantei e fui atendê-la. Abri a porta e puxei-a para dentro de casa.
— Francisco vamos com calma a gente só conversou até agora.
— Não é isso – eu disse desabotoando a camisa.
Ela ficou olhando desconfiada para mim. Imagino que ela tenha pensado que eu queria despi-la também.
Quando finalmente desabotoei a camisa, o cheiro de podridão ficou mais intenso. Eu tirei a camisa e mostrei meu peito se decompondo. Dei uma volta vagarosamente para ela ver minhas costas também.
— Estou apodrecendo Maria, seu pai me amaldiçoou e realmente funcionou.
Com ânsia de vômito, Maria saiu correndo de casa com as mãos na boca. Segui-la até o lado de fora e a vi vomitar perto da janela de casa.
Após se recuperar, ela disse furiosa:
— Não quero te ver mais! Que nojento! Não se atreva de aparecer na padaria!
Assenti com a cabeça e entrei em casa enquanto ela ia embora. Fechei a porta e me deitei em minha cama. “O que eu faço agora? A menina que eu gosto agora me odeia e eu não consigo mais trabalhar” pensei chorando sem escorrer nenhuma lágrima. Fiquei lamentando a noite inteiram até dormir.
No dia seguinte não saí de casa: fiquei deitado pensando em onde eu poderia me isolar sem ser visto por mais ninguém: lembrei da caverna que ficava nos arredores do vilarejo.
Fiquei planejando minha ida durante o dia inteiro, a hora que eu ia sair e o caminho que traçaria. Quando chegou a madrugada, me levantei da minha cama, me despedi da minha casa e fui rumo a essa caverna. Após uma hora caminhando cheguei aqui.
Após alguns dias passei pela fase de putrefação e por fim a esqueletização, assim me tornando o que sou hoje.
Foi assim que cheguei nessa caverna.
Os únicos que vieram até aqui me visitar correram aterrorizados gritando:
— Fuja, essa caverna é do Esqueleto!