Depois que nasceu um polvo de sete tentáculos, o fundo do mar nunca mais foi o mesmo. Aquele polvo cresceu com a língua afiada:

“Um marplanista pulou da borda infinita e suicidou-se”

“Um carangueiro adolescente está filmando a mãe no mangue alheio fazendo calderada.”

“Uma estrela está fumando ervas marinhas e vivendo no mundo da lua.”

“O sindicato das ostras intermediou suas pérolas para um cardume de peixes-palhaço que se escondem em condomínio cercado de anêmonas.”

“Uma quadrilha de peixes-leão negocia ouriços-do-mar no mercado de escambo reverso.”

“Siris adeptos da dieta trans deixam de consumir cálcio para ficar de corpo mole.”

Até que o polvo espalhou uma conversa digna de capa de jornal:

“Navios de piratas sem-ilhas praticam pesca predatória: piratas se alimentam do cupim e da picanha dos tubarões, contrabandeiam as barbatanas para terras do oriente e vendem a carne embebida em detergente para diluir o cheiro putrefato da amônia. Influencers nutrólogos, dizem ser um alimento nutritivo e chamam de isca de cação empanado.”

Borbulhou um ruído para saber quem espalhou boatos e meias verdades. Uma lula quis fazer pouco caso e espalhou que seria só uma “marolinha”, jogou sua bola de tinta e sumiu à dorê.

O rei Tritão tentou colocar ordem nas águas. Assinou um decreto de intervenção com suas filhas no poder.

A Sereia 01 quis sumir com o rei e monarquizar o submundo de Atlântida.

A Sereia 02, muito fiel, descobriu o plano ursulino de humanizar seu pai e prendeu em águas profundas a falsa cantora.

A Sereia 03, cúmplice da primogênita, mergulhou no partido do Nadismo e exigiu seu mar de herança.

Aquata, Arista e Andrina formaram o trio caldas duras. Seguem embaladas em cânticos de sertanejo marujo.

Ariel, famosinha da Disney e das praias de Maceió, usa da magia do Tridente do papai e funda uma corretora de publicidade e propaganda em parceria com seus primos.

O reinado de Ariel foi marcado por um governo autoritário, seu parceiro peixe grande amealhou muitas moedas douradas para propagar feitos da rainha de cabelos de mel, atacar a oposição e calar o polvo judicialmente.

O polvo, humilhado, recolheu-se a sua caverna platônica.

Os habitantes estavam acostumados a fofocaiada. Ninguém mais morria, se matava, separava ou brigava. A maresia parou de arrebentar! O polvo era o equilíbrio. Sua língua caótica mantinha o ciclo marinho e a cadeia alimentar em sororidade.

Os tubarões seculares se reproduziram igual a sardinha. Numa geração millenials, a quantidade de tubarões quadruplicou. O mar nunca esteve para peixe. Sobraram apenas as ostras e os tubarões. Depois uma chacina de fome, o canibalismo caçoou do caçador. 

Ovos, ovas e alevinos cresceram irmãos das pérolas no interior das ostras. As novas criaturas desenvolveram línguas ágeis para se alimentar, sem sair do ostracismo. Com o passar dos anos, a fofoca venceu. O caos harmonizou as águas e devolveu vida aos oceanos.

Geração Z de polvinho habilitou-se em diferentes idiomas; brotaram papilas gustativas em seus tentáculos, sinestesicamente sente um gosto amargo quando uiva um lobista das big techs.

Isaac Machado Azevedo
Enviado por Isaac Machado Azevedo em 01/09/2023
Reeditado em 02/09/2023
Código do texto: T7875456
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