UM DRINK NO BRÁS CUBAS PUB

UM DIA RUIM E ESTRANHO.

No escritório localizado na Rua Padre Anchieta, Alfredo seguia revisando planilhas, atendendo ligações e tomando café. Seus colegas olhavam para ele de forma oblíqua e dissimulada, seu melhor amigo, Dirceu, estava ao seu lado. Dirceu era viciado em clonazepam, dizia que eram para suas dores de cabeça. Quando estava sem o remédio, começava a tremer e suar de forma desesperadora. Mas aquela manhã, apesar de estranha, para Alfredo, era de expectativa, ele enviara seu romance para mais uma editora. Após receber inúmeros notícias negativas, ele não se dava por derrotada e seguia tentando. A resposta viria por e-mail, mas enquanto isso, a porta da sala de seu chefe abriu e seu nome foi entoado num tom uniforme e seco.

Enquanto Alfredo andava em direção a sala, seus colegas seguiam observando como se já soubessem o que estava para acontecer. Entrou na sala.

- Sente-se – ordenou Sérgio, seu chefe – quer mais café?

- Não, obrigado.

- Bom, vou direto ao assunto com você, seus últimos relatórios estão repletos de erros, seu foco está em qualquer menos aqui no escritório. Você entrou aqui como estagiário, tinha garra, força e, de repente, parou no tempo. Por isso, eu decidi que seria melhor, no momento, desligar você do nosso escritório.

Alfredo ficou em choque e até começar a falar:

- Depois de todos esses anos, como estagiário eu limpava até o banheiro desse lugar. Quantas vezes fui seu braço direito, sem falar que encobri, muitas vezes, os “seus atrasos” para chegar em casa.

- Está me chantageando? Tome cuidado.

- Quer saber, por um lado é bom, assim posso focar na minha carreira de escritor. Deixarei meu nome na Literatura Brasileira e você se arrependerá por ter me usado.

- Boa sorte, desejo que seja nosso novo Machado de Assis.

- Sério? Perguntou Alfredo.

- Lógico que não seu imbecil, eu já aquele seu blog de merda, você é no máximo um poeta de bar ou de clínica psiquiatra.

- Esperar oque de um homem que não sabe conjugar verbos e muito menos separar sílabas. Disse Alfredo irrita – muitos dos meus poemas têm traços Barrocos por causa do momento que vivo, mas não perderei meu tempo pergunta a você o que é um antítese.

- Pergunte? Desafiou Sérgio.

- O que é uma antítese?

- Saia da minha sala, passe no RH, junte suas coisas e seja feliz na jornada cultural.

Alfredo saiu, pegou uma pequena caixa, guardou seus pertences, Dirceu, seu melhor amigo que, além de viciado em clonazepam, era gordo, calvo e usa óculos nos quais as lentes pareciam um fundo de garrafa de refrigerante. Ele ajudou seu amigo Dirceu com a arrumação.

- Antes, Alfredo verificou seu e-mail, mas a resposta não aparecia em nenhuma das caixas de mensagem. Dirceu acompanhou Alfredo até a porta de saída.

- Lamento, meu amigo. Se precisar tomar um passe, podemos ir ao terreiro da minha avó, e, de repente, isso até abre seus caminhos.

- Não, obrigado. Eu preciso mesmo é de uma bebida.

- Hoje não posso – disse Dirceu – mas amanhã marcamos.

- Tudo bem. Até breve.

- Tchau amigo, levante a cabeça, logo, logo você será o maior poeta de todos os tempos.

Alfredo seguiu rindo falsamente, abriu o porta malas do seu Corsa vermelho, fechou a porta sentou em frente a direção e rumou para casa. No rádio, tocava Rush: “Spirit of Rádio”. O coração estava pesando o peito, a tristeza por ser demitido depois de tantos anos, descartado como um simples pedaço de papel. Seguiu pensativo e melancólico. E também sobre como contaria a Marília, sua esposa, sobre sua demissão.

Estacionou em frente a garagem, tirou suas coisas do porta-malas e entrou pelo portão do lado. Era fim de tarde. A casa estava silenciosa, não havia roupas no varal. A porta anexa de acesso ao jardim, pela qual iria entrar, estava trancada. Ele usou sua chave, largou suas coisas sobre a mesa da cozinha e começou a procurar.

- Marília? Onde você está? Marília?

- Estou aqui – disse ela – sentada num dos sofás da sala com três malas à sua frente.

- O que é isso?

- Sente-se. Disse ela. Marília era uma mulher branca, cabelos loiros, olhos azuis, ex-modelo fotográfica e dona de uma altura de quase dois metros. Ela estava sentada de pernas cruzadas, com a chave do carro dela e seu telefone nas mãos.

- O que é tudo isso Marília.

- Já sei da sua demissão. Acabei de ler seu e-mail e seu “livrinho” foi negado novamente. Sei que você está triste pela sua demissão, mas eu já pensava nisso há muito tempo. Não posso mais ser sua esposa, não posso morar com um homem de trinta e cinco anos que ainda sonha em ser artista. Essa casa é da sua mãe, seu carro é herança do seu pai. Estamos há seis anos juntos, eu fiz minha faculdade, passei num concurso e você parou no tempo escrevendo poemas.

- Isso machuca muito, você sempre disse que me apoiava.

- Dizia porque achava que a coisa não seria tão séria assim. Mas você só faz isso, a gente não entende nada, gasta com editoras que não vendem para você, sua auto publicação foi toda doada para uma escola. Você já é um homem, não tem mais idade para sonhar com isso. Vai ficar com seu técnico em contabilidade, ganhando merrecas, pagando para promover poemas nas redes sociais esperando que alguém ache isso bom. Não é bom.

- Para, por favor.

- Desculpa, mas alguém precisa dizer. Faz uma especialização, atualiza seu currículo, busque por uma liberdade. Você não é mais o Alfredo pelo qual me apaixonei. Lembra que você sempre me disse que jamais tornar-se-ia um bêbado derrotado igual ao seu pai?

- Sim.

- É exatamente isso que você está se tornando.

Uma buzina do lado de fora soou,

- É meu táxi – disse Marília, que antes aproximou-se de Alfredo – acorda para a vida, Alfredo, eu amo-te, muito, mas não posso viver mais assim.

Ela pegou as malas e pôs na varanda.

- Me ajuda aqui, pediu ela.

Alfredo bateu a porta. Do lado de dentro, como Lindoia em o “Uraguai” de Basílio da Gama, Alfredo sentiu a serpente da decepção picar seu peito. Acabara de perder tudo e o pior é que não conseguia pensar numa forma melhor de concertar as coisas. Andou pela casa, olhou fotos, a cama arrumada, o guarda roupa apenas com seu lado preenchido. O banheiro ainda guardava o cheiro de Marília. Sentou na frente do computador a recusa do seu livro de poesias. Além disso, o editor chamou o livro de ultrapassado e que ninguém mais se interessa por aquele tipo de escrita complexa. Pensou em atirar o computador no chão e quebrar até sua última peça, mas o tal aparelho não merecia perder a vida que nem possuía. Pegou as chaves do carro, verificou sua carteira e saiu a andar pela cidade. Porto Alegre fria, ônibus, trens, aviões, pessoas felizes, tristes, sinais de trânsito, estragados e um pensamento veio-lhe: “Todos apenas vivem, apenas vivem, como conseguem? ”.

Resolveu sair da avenida principal e entrou numa rua mais discreta. A placa dizia: Rua Santa Rita Durão. Adiante, uma placa luminosa acima da porta, anunciava um bar e o nome chamou-lhe muito a atenção “Brás Cubas Pub”. Alfredo estacionou, vestiu bem seu casaco, pois uma noite fria e intensa já dava às caras. Na porta do bar recebeu uma comanda. Tudo tinha nome literário como Hambúrguer Amado, Bife a Kerouac, Dose de vodca Quintana, Cerveja realista, Dom Casmurro, Cerveja Arcádia Bucólica Beer e a gin tônica Lispector. Paredes, mesas, balcões, cadeiras, tudo tematizado com poemas, trechos de romances e imagens dos imortais. No balcão, o barmam, vestido de terno, grata, e sapatos, aproximou-se educadamente e perguntou:

- Seja bem-vindo ao Brás Cubas Pub, já escolheu o que vai beber ou comer, ou comer e beber?

- Sim. Eu quero uma gin tônica Lispector.

- Ótima pedida, farei uma no capricho, um instante, por favor.

Alfredo analisou as poucas pessoas sentadas às mesas do bar e pensou silenciosamente: como eu nunca soube desse lugar. O barman se aproximou com a bebida e Alfredo questionou:

- Desde quando existe esse lugar?

- Desde o século XVI. E riu.

Alfredo riu também.

- Engraçado você - disse ele e bebeu um gole do drink pedido. Sentiu o peito rasgando, os olhos lacrimejaram, sentiu cada gota da bebida passar por seus órgãos . - Meus Deus, é muito forte.

- Estilo Clarice – respondeu o Barman – se precisar de algo mais, só chamar.

- Obrigado.

Após quatro doses de GTL, ele precisou ia ao banheiro. Ao levantar da cadeira, sentiu ao efeito e o trabalho do álcool que, através de sua corrente sanguínea, fazia ao chegar no seu cérebro causando um leve atraso nas sinapses. Entrou no banheiro, as paredes tinham poemas escritos pelos clientes do pub. Enquanto urinava, lia coisas lindas, redigidas por anônimas. Não deixou nada escrito por falta de caneta. Sentindo fortemente o efeito da GTL, passou uma água no rosto e decidiu sair dali, pagar a conta e ir para casa. Antes de abrir a porta, escutou um riff de guitarra muito famoso, pensou ser nas caixas de som do local. Ao sair, inacreditavelmente viu Jimi Hendrix tocando guitarra com sua banda de apoio. Olhou para o Barman, ele acenou e perguntou através de gestos se ele estava bem. Ele entrou novamente no banheiro.

“Só posso estar doido, preciso ir embora, não é o Hendrix ali no palco, não é.”

Saiu novamente do banheiro, o músico seguia com seus solos épicos e a clientela havia aumentado consideravelmente. O clima de fumaça impedia ele de ver melhor as pessoas. Ele parecia estar em outro lugar. Perguntou ao barman:

- O que está acontecendo? Parece um outro lugar, ali é um cover do Hendrix, né? Diz que é.

- Não! É o Jimi.

- Mas ele morreu.

- Meu amigo você está doidão. Que tal uma água?

- Pode ser.

Uma mão negra foi colocada em cima do balcão. E uma voz forte solicitou:

- Alguém pode me trazer um suco natural de laranja.

Alfredo olhou para o lado e quando observou quem era, caiu da cadeira, chamando a atenção de todos, inclusive da figura a sua frente.

- Tudo bem moço? Perguntou uma outra figura que o fez saltar no chão e bater a cabeça na base do balcão.

- Não pode ser – dizia Alfredo – não, não. Isso é muito doido.

O homem negro deu-lhe a mão.

- Levante moço e acalme-se.

Alfredo levantou, tentava olhar ao redor, devido a forte fumaça, apenas conseguia ver quem se aproximava e as duas pessoas que quase lhe causaram um infarto foram dois de seus heróis.

- Prazer, Joaquim. Disse.

- Jorge. Disse outro.

Machado de Assis de um lado, Jorge Amado de outro. Alfredo pouco respirava. Ficou paralisado, coçando os olhos, mas era difícil entender.

As épocas eram diferentes, lógicos, mas os trabalhos eram eternos. Ele tinha tantas perguntas, para ambos.

- Podemos conversar? Perguntou Alfredo, aos dois.

- Eu estou acompanhado - disse Jorge – outrora.

- Já sei até o que vai perguntar – disse Machado de Assis – eu também não sei.

- Como se foi você que escreveu o livro?

- E foi apenas isso. Capitolina e Bento tinham a própria vida e quem escreveu o livro na verdade foi ele. Então, tire suas próprias conclusões. Mas e você, o que faz?

- Poeta, falido, desempregado e agora solteiro.

- Tem todo material que precisa para escrever sua obra prima, a dor é o tempero secreto da criação.

- Você daria sua opinião?

- Não sou muito, mas você está sofrendo. Traga-me numa próxima vez, lerei e passarei para alguns amigos.

Machado sumiu na fumaça, Alfredo pegou o telefone do bolso, mas nada funcionava no aparelho. Um homem com sotaque britânico, arranhando um português, perguntou a ele:

- O que é isso?

Alfredo firmou na cadeira. Engoliu a saliva e apertou a mão do homem que havia lhe oferecido.

- George Orwell – disse Alfredo – isso aqui é culpa sua.

- Como assim?

- O Grande irmão existe agora, está até na televisão, nos telefones, nas ruas. Ele faz tudo que você escreveu. Tudo.

- Que bom que eu estava certo. Vocês acham que eu fiz uma previsão, o fato é que sempre foi assim. Sempre fomos manipulados, agora só está um pouco mais escancarado. Winston Smith é você e todos.

- E há os Napoleões que sobem um degrau na vida e acham que podem fazer e falar o que quiser aos outros. Não sei se você teve sorte por estar morto, sei que sofreu muito, mas esse mundo não está legal.

- Nunca esteve, caro amigo. E eu, ainda estou vivo, afinal, cá estou na sua frente.

- Curte poemas?

- Não.

Tentando entender tudo que estava acontecendo, ele resolveu pedir mais uma dose. Enquanto tentava acenar para o homem do balcão, observou ela, sua musa melancólica com seu humor trágico ucraniano, fumando um cigarro, solitária.

- É Clarice? Perguntou Alfredo ao barman que, por sinal, chamava-se, Diogo.

- Diogo Alvarez é meu nome e não tente se aproximar de Clarice, ela não gosta de companhia. Apenas observe, ela é linda.

- Diogo Alvarez? Perguntou Alfredo.

- Sim. Como em “Caramuru”?

- O mesmo.

- E ela, cadê?

- Paraguaçu? Trabalha num supermercado, na gerência.

- Dê-me minha dose, por favor.

Foram mais três. Os olhos começaram a ficar embaçados, tentando atravessar, com o olhar, a fumaça que preenchia o pub, tem quase certeza que viu Guimarães Rosa falando com Rubem Fonseca. Tarsila ria alto com Elis e Cazuza beijava uma moça qualquer num dos cantos da parede.

Quando virou para o balcão. Um homem bateu forte com a mão na mesa e pediu um vinho. Diogo deu-lhe uma garrafa, ele bebeu toda de uma só vez.

- Para encarar esse mundo, só bêbado. Disse o homem de sandálias, roupas longas, barba longa, pele queimada do frio e calvo.

- Sim, Jesus, é ímpio nascendo ímpio, feito por ímpios que criam-se nesse mundo ímpio.

- Espera um pouco – disse Alfredo – Jesus Cristo?

- Sim. Esperava ver mais cabelos?

- Não.

- Quer que eu prove?

Alfredo ficou em silêncio. Então, a sua frente apareceu misto quente e uma taça de vinho. Após isso, caiu da cadeira, novamente e apagou como a lâmpada do quarto vazio que acordou no outro dia. A ressaca era veemente. Pegou o telefone, olhou pela janela, viu a Porto Alegre de dois mil e vinte, depois ligou para Dirceu.

Venha aqui em casa. Agora.

O RITUAL.

Dirceu chegou logo depois. Alfredo não sabia por onde começar.

- Que cheiro horrível – disse Dirceu – quanto tempo você não toma banho? Olha sujeira da casa, comida podre, mofo. Há dias tento ligar e você não atende.

- Dias?

- Sim, uns cinco. Aliás, lamento por Marília.

- Dane-se ela, preciso imprimir meu livro para uma nova avaliação.

- Ainda nessa, Alfredo?

- Calma! Dessa vez quem vai avaliar é o maior de todos.

- Quem?

- Machado de Assis.

- Você está bem? Cara, isso é choque emocional, procure ajuda.

- Quer vir comigo?

- No cemitério? Machado de Assis morreu...

- Nesse lugar, todos estão vivos. Todos. Tem a Clarice que fica quietinha, Tarsila e Elis riem com euforia, quem me atende é um personagem de Caramuru. Jorge Amado me ajudou a levantar do chão e tem mais.

- O quê?

- Tive uma efêmera discussão com George Orwell sobre “1984” e a “A Revolução dos bichos”. E por fim, Jesus Cristo partilhou misto quente e vinho. Tudo isso banhado pelos riffs de guitarra de Jimi Hendrix.

- Meu amigo, seu caso é grave.

- Que nada. Vem comigo, essa hora já deve estar aberto. Disse Alfredo puxando Dirceu pelo braço.

Chegaram aos Brás Cubas Pub. Dirceu disse que não sabia mesmo do lugar. O amigo de Alfredo não era muito chegado a literatura, então pouco notou os detalhes arquitetônicos do local. No balcão, quem se aproximou dessa vez foi uma moça.

- Posso ajudar?

- Dois Gin Tônica Lispector.

Ao retornar para trazer as bebidas, Alfredo questionou o nome da moça.

- Aurélia, sou a dona do bar.

- Aurélia que comprou Fernando no romance de José de Alencar?

- Engraçadinho.

Dirceu se arrepiou todo com a bebida.

- Cadê o Machado, o Amado e todo aquele pessoal que você falou?

- Calma. Tudo tem seu tempo. Beba.

Uma, duas, três, quatro GTL e Alfredo disse que precisavam ir ao banheiro.

Eu não preciso – disse Dirceu – estou firme.

- Mas é lá que acontece a mágica. Vem.

- Se bem que não caguei hoje. Estou na dúvida se saiu uma flatulência ou um belo pedaço de bosta mesmo.

Ambos foram ao banheiro, cambaleando, cada um dirigiu-se a uma privada. Alfredo olhou para as paredes e lembrou da caneta. Queria deixar seu poema ali também.

Urinou, sentiu a bebida subir e ao abri os olhos, não via um banheiro, mas uma bela mata e atrás dele, o mar. Pensou: “agora viajei legal”. Uma linda índia nua saiu de dentro da mata, veio até Alfredo e o pegou pela mão. A noite se aproximava quando chegaram na aldeia. Sem falar nada, ela o levou para o líder da tribo. Ficou ao ver Diogo Alvarez, ao lado dele, Paraguaçu e a bela índia que o trouxe era a bela e jovem Moema. Porém, Diogo estava diferente, fazia perguntas secas, Alfredo tentou montar as cenas do bar, e ele disse que jamais trabalharia para servir alguém. Diogo sentiu-se ameaçado, pois depois de ser eleito o Deus da tribo após dar um tiro para cima, ele temia que Alfredo guardasse algum segredo que poderia tomar seu lugar. Então, ele reuniu a tribo e disse a todos que Alfredo era uma oferta dos deuses amigos dele. Logo, teria de ser sacrificado num ritual antropofágico. Alfredo, sabendo que seria a janta da tribo, tentou fugir, mas sem sucesso.

Enquanto o ritual era preparado, Diogo amava e amava todas as índias que queria. Alfredo estava preso em uma árvore, assistindo toda a montagem do ritual. A noite chegou, Alfredo foi colocado sobre uma mesa de madeira e ao redor inúmeros índios com materiais de corte. O céu estrelado, a lua cheia e ele seria comido em pedaços para satisfazer os espirito dos índios devido a insegurança de Diogo. Rezas, gritos, batidas de tambor, sorrisos e línguas nos lábios. Diogo pediu uma lança para dar o golpe final. Ao pé do ouvido de Alfredo ele disse:

“O certo seria lhe comerem vivo, mas eu vou lhe poupar de tal sofrimento”.

Uma índia agarrou o pênis de Alfredo e preparou o corte. Diogo recebeu a mensagem que não poderia matar ele. Os pedaços seriam tirados em vida. A índia faminta esticou bem o órgão de Alfredo, ele berrava de pavor. Ele desceu com a ferramenta para tirar com testículos e tudo mais. A faca encostou, Alfredo gritou:

- Nãoooo!

Diogo e todos ouviram a voz de um jesuíta.

- O que estão fazendo?

- Diogo ficou sem jeito, amuado. Sabia que o padre não poderia enganar.

- Tirem ele daí, agora. Ordenou o Jesuíta.

Alfredo, nu, ficou na frente de todos. Anchieta aproximou-se:

- Volte para o lugar de onde veio.

Então, com o cajado, o Padre deu uma pancada na cabeça de Alfredo que acordou no banheiro do bar, deitado no chão após socar paredes, portas, Dirceu, e cagar-se todo, em pé.

Dirceu assustado pegou o amigo, tirou do banheiro e levou-o para casa. O lugar estava calmo, com poucas pessoas. Nada de Machado ou Amado. Dirceu levou seu amigo para casa, deu-lhe um banho e na manhã seguinte conversaram sobre tudo aquilo. Alfredo aceitou fazer terapia, começou um tratamento e, por vários dias, ficou por casa. Encarando a realidade, sem bebida ou qualquer outra coisa que alterasse seu estado mental.

Jogou fora seus poemas impressos, candidatou-se para novas vagas de emprego, fez entrevistas e numa delas foi chamado para trabalhar na contabilidade de um hospital. Todos aqueles acontecimentos trouxeram um novo Alfredo, um homem focado, pensando num melhor futuro profissional para si. As palavras sumiram, mas algo ainda o incomodava. Porém, após as terapias, ele convenceu-se de que não tinha visto nenhuma daquelas pessoas e nem havia tentado ser comido por índios. Era tudo parte de um stress emocional devido aos acontecimentos recentes que haviam ocorrido.

O MACHADO QUE SALVA.

Completando um ano no emprego novo. Os colegas o convidaram para sair e comemorar. Ele negou o convite e foi para casa. Pediu pizza e escolheu um filme. Seu celular começou a enviar mensagens simultâneas. Era Marília, sua ex-namorada. Ela pedia socorro e enviou localização, disse que estava sendo assaltada em casa, mas escondida embaixo da cama. Ele saiu correndo, seguindo a localização, mas o caminho foi ficando parecido com um conhecido. O GPS apontava para Brás Cubas Pub, ele ficou meia hora parado na frente do bar. Uma nova mensagem foi recebida:

“Entra logo, eu não tenho a noite toda”.

No pub não encontrou Marília, mas Aurélia, segurando um manuscrito cheio de anotações.

- Como fez isso com o telefone?

- O Grande Irmão, meu caro. – Respondeu ela – deixaram isso aqui para você. Na última vez que você veio aqui, esqueceu em cima do balcão, dias depois estava aqui dentro do envelope com seu nome.

- Obrigado!

- Vai uma GTL.

- Não, parei de beber.

- Que ótimo – disse ela, feliz – boa sorte poeta.

Em casa, ele abriu o manuscrito repleto de anotações feitas por Machado de Assis. O livro estava completamente recheado de notas, sugestões e críticas de todos os tipos. Ao final estava escrito:

“De Joaquim para Alfredo, siga essas instruções e serás um grande poeta, esta um lixo, mas pelo menos, reciclável”.

Alfredo, mais firme no propósito, sóbrio e com autenticidade, escreveu um poema épico sobre a sociedade atual. Trechos em rede social chamaram a atenção de uma grande editora. Alfredo vendeu o poema escrito no estilo Camões, ou seja, rimas alternadas e duas sequenciais. Intitulou o poema épico homenageando seu amigo póstumo: Sociedade Atual: “O Machado”. A história de um homem que deseja fazer um machado para cortar todas linhas de rede que trazem notícias ruins, afetam o desenvolvimento humano e influenciam nas doenças da alma. O motivo: seu filho, Francisco, suicidou-se após uma foto intima postada na internet.

A pré-venda foi um sucesso e o lançamento rendeu um best-seller. Alfredo, enquanto fazia a leitura de um trecho do livro, Marília, sua ex e Dirceu, assistiam emocionados e felizes com seus próprios enganos.

O poema começou a ser trabalhado em escolas e ganhou vários prêmios. Alfredo, finalmente, agora era um poeta respeitado e realizado.

“O Machado”. Por Alfredo Dias.

Cena final.

“A lâmina deve provocar um corte veementemente lancinante.

Tão doloroso como o que agora marca as paredes de meu coração.

O machado cortara o mal do mundo que leva a vida inocente.

Que anda, silenciosamente, entre os jovens, de mão em mão.

Após cortar o mal do mundo, darei jeito de arrancar a minha dor.

Na esperança de abraçar Francisco, meu filho amado com muito amor”.

Marilia aproximou-se junto de Dirceu. Todos trocaram abraços. Então ela perguntou:

- Parabéns, quer tomar um café e falar mais sobre tudo isso? Sei que você tem uma série de viagens pela frente.

- Desculpa, mas eu já tinha marcado com Dirceu - disse ele fazendo o amigo confirmar – outra hora a gente fala sobre o meu “livrinho”.

Marília ficou sem jeito e abaixou a cabeça antes de pedir. O silêncio foi cortado pelo comentário de Dirceu.

- Veja bem, eu vou com você, mas nada de Jesus servindo misto quente, Jorge Amado ajudando a levantar do chão e Machado de Assis...

- Cale-se! Disse Alfredo.

- Que história maluca é essa? Perguntou Marília.

- História de bêbado derrotado – respondeu Alfredo – tchau!