A Assembleia de Ateus
A Assembleia de Ateus do Brasil era um grupo bastante heterogêneo de pessoas que um dia decepcionaram-se com sua fé e pessoas que nunca chegaram a acreditar em deidades. Fora idealizada por Alcides - o orador - que fora coroinha em igrejas católicas e aprendiz de pastor em igrejas evangélicas. Ademais, havia sido cambone de um terreiro e até auxiliara um rabino numa sinagoga.
Um dia, decidiu - por meio de uma contestável radicalização unilateral - que não cria mais em entidades divinas e optou pela criação de um lugar onde pessoas que haviam sido crentes em alguma figura superior - com s maiúsculo - pudessem expressar seu desagrado em relação a recompensas que jamais obtiveram por meio da fé.
Organizou sua assembleia de modo bastante efetivo: primeiro, vinha o “exprimir” - a substantivação do verbo - ou do Verbo - a fim de que cada um - não todos, para não entender as reuniões - pudesse dar o seu relato por meio da expressão. A verborragia não tinha fim. Os demais que, segundo Alcides, aprendiam com os relatos ditos, eram os participantes da oitiva - e esses deveriam sumarizar, mentalmente, é claro, aquelas palavras a ter como finalidade o que ele dizia ser a “sua própria Verdade”.
O uso de substantivos com palavras maiúsculas era bastante estratégico, pois pensava Alcides que aquela competição com a Torá, a Bíblia ou o Corão era algo bastante pertinente para corroborar a finalidade da assembleia.
Alcides era muito bom com as palavras, embora quando incumbiam-no a dar uma réplica enrolasse-se totalmente com elas.
- Por que orador? - perguntou um dia um participante. - Pergunto-o porque isso me remete a questões litúrgicas. O senhor poderia nos explicar?
- Questões litúrgicas? Isto aqui não tem nada a ver com religiões. Este é o caminho da Liberdade! Da liberdade do pensamento, das amarras que a fé nos impõe, dos caminhos tortuosos que seguimos em prol de um pós-vida que nem sabemos se há de existir e dos paliativos que suprimem as nossas experiências terrenas!
- Mas eu perguntei quanto à função de orador, seu Alcides...
- Temos outra pergunta, senão vamos estender e temos outras atividades além destas...
Uma mulher levantou a mão.
- Diga, dona Lucília.
- Por que Deus não existe?
Alcides sempre desconversava. Chegou até a rasgar uma Bíblia e propor que se Deus existisse que dizimasse todos aqueles ali presentes. Certamente, convencia as pessoas tamanho seu bem falar e a forma como asseverava a inexistência divina.
Um dia, ao conversar com um pastor, decidiu de forma muito maliciosa volver à igreja evangélica. Não demorou muito para que fechasse sua assembleia e tentasse converter seus “fiéis” à fé cristã. Alguns foram consigo, outros pularam fora. O fato é que esses últimos chamavam-no demagogo.
Hoje, Alcides é um pastor de sucesso e tem várias igrejas em vários rincões do país. Nega completamente que um dia perdera sua fé e que só montara sua assembleia para provar que mesmo falando contra Deus, este estava sempre presente.
Muitos não entenderam, nem mesmo Alcides - que pouco queria compreender -, visto que sua conta bancária passou a ter robustas entradas de dinheiro desde então.