A LENDA DO MORRO PELADO (Compilação livre de conto popular)
- Tio Arcido, conta aquela história do Morro Pelado!
- A história dos índios que moravam lá em cima?
- É! Conta, conta! – insistia o gurizinho sentado à sua frente, na soleira do paiol. Tio Arcido se movimentava, arrumava o cabelo branco, jogava o chapéu para trás, e começava, depois de pigarrear:
- Vocês estão vendo aqueles dois morros pelados ali? – dizia, apontando para os lados da igreja matriz.
– Eles não eram pelados, eram cobertos por uma grande floresta. Ali viviam doze famílias de índios, quase cem pessoas. Eles tinham cabanas cobertas de palha, mas, para escapar do frio e da ventania, da chuva, da neve e da geada, eles cavaram três grandes cavernas. Lá dentro ficavam mais protegidos e seguros. Demoraram muitos anos para preparar as grutas, quase cinquenta anos. Alguns índios eram pequenos, quando começaram a trabalhar nas cavernas e somente foram ver a obra pronta depois de velhos, outros nunca viram as cavernas prontas.
Como vocês podem notar, o Morro Pelado é um ponto muito importante para se observar e controlar todo este vale aqui embaixo. Lá de cima eles tinham a visão total da cidade de Urubici, sabiam quem saía e quem entrava.
Aqui embaixo morava uma outra tribo que, com o tempo foi ficando inimiga dos índios que habitavam as partes altas do Morro Pelado. Os índios aqui de baixo tinham inveja dos índios lá de cima e sempre queriam expulsá-los para conquistar aquela posição privilegiada.
Os índios do Morro Pelado acendiam grandes fogueiras no pico do morro nas noites de lua cheia, faziam grandes festas, com rituais, oferecendo presentes à deusa Lua, agradecendo por tudo o quanto ela lhes dava. As fogueiras eram feitas bem à frente da boca das cavernas; os índios que viam aquilo aqui de baixo, ficavam muito assustados e temiam que os deuses os castigassem por quererem roubar as terras dos outros.
Durante os rituais de lua cheia aconteciam muitas coisas. As grutas se iluminavam de modo muito estranho e o próprio espírito da Lua baixava sobre a tribo, trazendo-lhes muitas bênçãos e realizando os desejos de todos. Aqueles rituais sagrados varavam a noite, com danças e muito cauim, enquanto as chamas das fogueiras iluminavam a escuridão.
O pajé da tribo do vale não se conformava em ver sua gente escondida e assistindo aos rituais da tribo do Morro Pelado. Convenceu, então, o cacique a fazer um grande ataque aos de cima e a expulsá-los de lá. Somente assim poderiam viver em paz e prestar as mesmas homenagens à Lua. O cacique concordou com a ideia do pajé. Chamou os guerreiros e comandou o ataque.
O povo do morro, concentrado nos rituais de homenagem à Lua, nem imaginava o perigo que corria. O povo do vale subia rapidamente a montanha, cercando todo o local. A emboscada seria mortal. Urubici estava prestes a ficar coberta de sangue.
Foi aí que o espírito da Lua, que a tudo presenciava, encolerizou-se ante tanta maldade e, aproveitando o mesmo fogo das fogueiras sagradas, jogou mil raios sobre o Morro Pelado, provocando um grande incêndio em volta de todo o morro. O fogo comandado pelo deus levantou suas labaredas e lambeu a montanha de alto a baixo. O barulho era infernal, os estalos das taquaras, o berro dos animais, a fumaça que cobria tudo. O povo do morro se refugiou nas cavernas, e se salvou, enquanto que a tribo invasora foi exterminada sem piedade. Os guerreiros da tribo do vale foram todos mortos; as mulheres, crianças e velhos que sobreviveram pegaram suas coisas e se enfurnaram pelo Panelão adentro, na direção de Bom Retiro.
Ofendido, o espírito da Lua se afastou daquele lugar. Quando o dia amanheceu pôde-se ver o tamanho da tragédia provocada pela inveja humana. Os dois morros estavam completamente queimados. Tudo morreu à sua volta. Árvores, plantas, flores e animais, tudo desapareceu. Secaram até as fontes de água. O Morro Pelado ficou assim até hoje, transformado em pedra pura, testemunhando a tragédia daquela noite.
Os índios que habitavam o Morro Pelado também deixaram o lugar, sentindo que a maldição do espírito da Lua ainda pairava no ar. Saíram, deixando gravadas nas paredes das grutas, porém, as memórias desses acontecimentos.
- Gostou da história, guri?
- Gostei muito!