Cachorro magro
Acordo com o barulho da portão de aço de enrolar sendo içado. O balconista que abre a padaria faz questão de fazer o maior alarde possível para que o humano, o outro vira-lata e eu que usamos a calçada como cama e a marquise como teto despertem num pulo com o susto.
O sol ainda não despontou no horizonte. Troto ligeiro guiado pelo faro e a fome rumo Sul, o outro cão faz o caminho contrário. O humano é mais lento de manhã, bebe álcool toda noite, não raro é agredido verbal e fisicamente pelos comerciantes.
Há alguns restos de comida podre em sacos plásticos de lixo nas esquinas no centro sujo da cidade. Roo e mastigo alguns ossos de galinha com gosto de carne azeda de descartes de restaurantes populares. O excesso de sal e condimentos me dá sede e, com a língua para fora para controlar a temperatura corporal, acho uma uma sarjeta com água um pouco menos pútrida e em temperatura ambiente.
O sol já está quase a pino e o calor do asfalto machuca minhas patas. Sob a carcaça abandonada de um Fusca 67 aproveito a sombra e cochilo de olhos abertos até começar tudo outra vez.