CONTRA-CONTOS - PREFACIO.

PREFACIO PELO AUTOR

A maioria destes contos foi audiografada, para não dizer psicografada, pois tinham início em uma frase que ocorria e rapidamente datilografada sequer permitia pausa, a segunda, terceira e frases sucessivas, vinham antes de terminar a primeira.

Não sei de onde veio a maioria destes contos. Alguns, sim, foram planejados – mais ou menos, o que explica (embora não justifique) sua estrutura cambota e fósmea. Havia, isto sim, e por muito tempo havia, o que dizer – a quem quisesse tomar conhecimento.

Por isso a forma sui generis do volume, meu caro leitor, minha cara leitora, (que vai bufar e achar ruim, pelo papel que a mulher desempenha, ou isso comentou minha filha Yara). Não bastasse cansar tua vista com redução de páginas datilografadas em diversos tipos e tonalidades, vou te cansar o espírito, caso cometas a imprudência de ler, com visões e façons de voire não catalogadas entre os recursos civilizados de um Brasil modelado pelo “Grande Diccionario Encyclopedico W. M. Jackson”, etc.

Autor sem editor não vai usar prefaciador – ele se submete o bastante usando a forma de livro. Os padrões estatuídos nossos patrões intelectuais e anímicos de escravos que somos desde ou daquilo, parecem desprezados pelo autor/prefaciador/editor/impressor/compositor/etc.

Que, se alguma virtude tiver, apresenta a possibilidade de todos mandarmos os editores a –––– e editar um, dez, cem, mil exemplares de sua própria obra. Mesmo correndo o risco seríssimo de não encontrar leitor ou, pior, transformar este Brasil anarfa onde todos escrevem e poucos leem.

A literatura tem sua faixa de ‘abrir a boca e dizer’, que justifica o autor em suas incursões pela coprografia. Afinal os santos e santas sabem o que fazem no banheiro e eu sou um a quem nunca interessou saber o que outro faz por lá. Não costuma ser grande coisa.

Se vieres a comprar um exemplar por real interesse e se de alguma página puderes extrair algo que realmente sirva para reolhar, repensar, reexaminar algum aspecto da vida ou de ti mesmo, estará justificada esta edição limitada – ah, quão limitada! – do alto dos meus 60 eu te abençoo, meu filho. Ou somos realmente irmãos?

Estou de saco cheio de literatura de merda, de piranhas de olho em vendagem e listas dos mais vendidos (expressão trágica!) e pensadores e intelectuais que, sabendo ou não, apenas contribuem para a manutenção do status quo, não só o político e social como o anímico (consulta o Aurelio, sim?).

Para estarmos, os dois, inteiramente à vontade, estou te mandando com todos os ff e rr a puta que te pariu, mimosa flor de jacarandá. Este garoto sessentão não faria por menos, quando sustenta a tese subversiva, reprovável, (e um tanto odorosa, como o autor) de que quem exige música ambiental, palavras doces e gentis e demais frescuras para aprender, apreender, compreender, – e transpreender – está dando uma de veado ou filhinho da mamãe, que atravessará esta vida sem compreender coisa alguma – e condenado à mais tenebrosa das ignorâncias, incapacidades e importências (importante impotência).

E, no entanto, encontrarás páginas que poderiam ter sido escritas por damas ou gentil–homens de punhos rendados e sais para suportar as vicissitudes e agruras deste vale de lágrimas.

Mas há aqueles, dos quais sou um, que vertem lágrimas – de alegria, satisfação, O vale de lágrimas citado, portanto, pode ser tomado com uma pitada de sal, ou visão como a do garoto que proclamou:

O REI ESTÁ NU...!

Irreverência é desabafo, alfinetadas que esvaziam balões de ar quente ou gás malcheiroso – são aqui mesmo. Em pagamento a três autores lidos na adolescência e cujas palavras me permitiram sobreviver, passo a bola adiante. Faze teu gol, passa a bola para tantos outros quanto possível fazerem os gols deles. Colaboração na competição, reação em cadeia e tudo o mais. O ser humano – está claro que não todos – é viável. Como o Brasil.

Só falta gente de tutano – não precisa ser todos. Tutano e miolo, aliás.

Pensamento consolador: se conseguirmos por ignorância, medo, estupidez e egoísmo estragar o orbe e nos suicidar coletivamente, em outros orbes outros seres (e, portanto, a vida) terão conseguido e conseguirão ultrapassar esta etapa crucial terrestre, fruto da ignorância, medo e estupidez que desaguam no egoísmo e que é a verdadeira prova pela qual não passamos. O que é realmente sagrado? O que é realmente merecedor de respeito e amor?

Quanto aos botocudos, idiotas, robôs e bestalhões – as batatas.

Aos que não conseguem – nem mesmo tentam – sair da dimensão pessoal que de tal modo é sufocante, rotineira, cacete e repetitiva, cabe perguntar:

Mas essa gente de fato existe?

Ao que consegue sair dessa dimensão pessoal e passa à extra–pessoal, aquele abraço! Chama–se décimo, centésimo, milésimo ou milionésimo. E dificilmente precisaria se dar ao trabalho de ler estas provocações.

A bem do fato, já falei demais.

Alf Eyre.

(pseudônimo do Affonso Blacheyre -(1928-1997),)

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CONTRA-CONTOS. (Janeiro de 1988.)

Prefacio da obra original.

(Gabriel Solís- editor)

Affonso Blacheyre
Enviado por Gabriel Solís em 23/12/2022
Reeditado em 22/02/2023
Código do texto: T7678340
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