Quanto vale?
Separou dois CDs de punk rock e dois livros de quadrinhos de Robert Crumb. Embalou-os em sacos plásticos e os colocou na mochila. Bebeu café, escovou os dentes, calçou os tênis e foi para o ponto de ônibus batendo a porta de casa atrás de si.
Chegando no centro da cidade, salta do coletivo e vai até a banca de jornais. Lê as manchetes e compra uma caixa de fósforos. Fuma enquanto sobe a rua, são dois quarteirões até o prédio em que trabalha. Apaga a guimba com o pé direito em frente a portaria. Sobe os quatro degraus da escada e no saguão checa o relógio e respira aliviado, ainda tem quinze minutos.
Há um único elevador e parece que está no décimo-terceiro andar. O escritório fica no quarto.
Decide subir as escadas, para na salinha dos funcionários num canto do mezanino e bebe outro copo de café enquanto conversa brevemente com a faz-tudo do prédio.
Sete minutos.
Torna a subir.
Chega no 402. Gira a maçaneta dourada e abre a pesada porta de madeira entalhada. Silvia, a recepcionista, já está atrás do balcão digitando alguma coisa no computador. Ela olha para ele sobre as lentes dos óculos que estão pendurado na ponta do nariz.
— O doutor Pacheco ainda não chegou, mas deixou esses documentos pra você digitalizar e lançar no sistema.
Gira a cadeira e abre uma gaveta de um arquivo em aço. Pesca duas pastas suspensas beges recheadas de papéis. Coloca-as sobre o balcão, fecha a gaveta e volta a digitar seja lá o que estava digitando.
— Obrigado, eu acho. Bom dia.
Silvia não responde.
Vai até sua mesa, coloca a mochila no chão encostada à parede e liga seu computador. Joga as pastas sobre a mesa com uma careta. Afunda na cadeira com as costas arqueadas e espera o Windows iniciar. Doutor Pacheco aparece momentos depois carregando sua maleta na mão esquerda enquanto o paletó está pendurado no antebraço.
— Bom dia Silvia. Me envie a planilha de custos do ano que vem por e-mail. Hoje preciso sair às duas da tarde, não marque nada depois desse horário.
— Oquei doutor.
Pacheco vai até sua mesa em forma de L.
— Bom dia. — Diz em tom metálico enquanto passa pela impressora multifuncional que já está digitalizando os documentos.
— Bom dia chefe.
O chefe veste as costas de sua cadeira com o paletó e coloca a maleta de pé ao lado de seu monitor.
— Preciso desses arquivos zipados até o fim do dia. O fechamento é amanhã e não quero deixar nenhuma pendência.
— Beleza.
— Merda —pensa. —Logo hoje que eu também preciso sair mais cedo pra vender esses livros e discos. Um adiantamento ou um extra esse arrombado não vai me dar. — continua a digitalizar os documentos o mais rápido possível tentando não pensar em mais nada pra não se distrair e cometer um erro que tomará mais tempo pra corrigir depois.
Termina a primeira pasta quase na hora do almoço. Bate o ponto, desce de escada, sai do prédio, atravessa a rua e entra na padaria da esquina. Come um pedaço de torta de frango e um quibe empurrando a comida com uma lata de refrigerante.
Paga, sai e acende um cigarro na calçada. Fuma com pressa e seu fôlego diminui.
O elevador está no térreo. Entra e aperta o botão 4.
O trabalho a tarde não rende tanto quanto esperava. Termina de digitalizar a segunda pasta faltando cinco minutos pra acabar seu turno. Ainda é preciso organizar, comprimir e enviar os arquivos. Silvia já desligou seu computador e arruma sua bolsa.
— Estou indo, meu ônibus passa em dez minutos. Não se esqueça de apagar as luzes e trancar a porta quando for sair. Até semana que vem. — Ela sai.
A vontade dele é jogar as pastas pela janela e colocar fogo no escritório, mas ao invés disso, coloca os fones no ouvido e termina tudo em meia hora.
Aperta pela última vez o Enter no teclado e desliga a máquina.
— Deus sabe como eu preciso de uma cerveja. — pensa alto. Olha o relógio, o sebo fecha em vinte minutos. Fecha as janelas, apaga as luzes, apanha a mochila, sai e tranca a porta com um estrondo. Nem procura saber em que andar está o elevador, desce as escadas saltando de três em três degraus.
Caminha apressado pensando em quanto vale sua mercadoria, quanto vão pagar de fato e como vai gastar o que ganhar. Não tem muito tempo, o dono do sebo já começa a baixar as portas.
— Oi! Espera ae!— O cabeludo que toma conta da loja olha pra ele e solta a porta deixando que ela se enrole pra cima.
— Qual é?
Bufando, ele abre a mochila e retira os CDs e os livros. Suas mãos suam e está sem fôlego.
O cabeludo manuseia o material e tenta procurar defeitos.
— Quanto por tudo?