ÁVIDA A VIDA

Aquilo que vi era vermelho. Pouco compacto. Um amontoado de ovos de um molusco marinho. Colônia que se transformava em um corpo amorfo. Uma ferida em carne viva. Doía toda a vez que insistia parar para observá-la. Algo a havia desenterrado. Ela tinha muito a dizer. Uma história que se compunha, a tendo como ponto de partida. O magma latente que fazia o vulcão entrar em erupção. Escorrer pelo seu corpo, desmascarando suas couraças. Colocando em xeque uma vida que solicitou de si ser forte. Tirar proveito das desvantagens. Separar os extremos que ditam as regras das contradições.

Aquilo que a engolia era grande. Um fígado em formato daquele animal disforme. Ela não aceitou aquela latência.

Seu foco redirecionou-se para àquela avidez. O que fez mover as células diferenciadas. Um fractal de hibiscus, no lampejo de um lampirídea, na luz da eritrina. O que via partia para o desconhecido. O guará inflamado manteve-se em carmim clarividência que se alternava com frutas vermelhas, adoçado no azedo das silvestres. Aroma de uma floresta, que limpa o plano estagnado, em brisa que se orvalha em gotas da chuva que veio antes. Discretos raios de sol, por entre o sub-bosque de musgos da nebular. Que expande micélios até muito além da nossa percepção de subsolo. Conexão etérea, entre o mistério e a cadeia, que nos mantém vivos.

Aquela ferida continuava ali. Pele diferente. Pétalas de brinco de princesa com manto de rainha. Dama da noite que se completava com o amadeirado aroma dos troncos rubros, alazão, pau brasil.

O movimento da essência, retomou seu fluxo. Seiva elabora – floema, bruta – xilema: saldo harmônico e justo. Apenas uma cicatriz no cerne de um ramo que caiu.

Publicado no Facetubes

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