As contadoras de estrelas
Minha mãe me contou que havia sido presa certa vez pela Guarda Real, justo por causa do seu trabalho; ou por não o estar exercendo corretamente.
- Sempre pensei que o nosso trabalho fosse seguro, mãe - admiti surpresa. - Até mesmo um tanto monótono, se posso me expressar assim.
- É bastante seguro e somos bem pagas para o fazer, Serafina - redarguiu minha mãe. - Mas, como sabe, somos pagas por produção; a acusação que me fizeram, foi justamente a de aumentar os números para receber mais. Se eu realmente fizesse isso, seria um crime, sabe?
Balancei a cabeça afirmativamente, olhos arregalados. Alguém havia acusado minha mãe de roubo! Justo minha mãe, a pessoa mais honesta que eu jamais conhecera.
- Mas... com base em quê fizeram essa denúncia, mãe? - Questionei.
- Na contagem de estrelas - suspirou minha mãe. - Você sabe, fazem avaliações aleatórias do nosso trabalho, exatamente para saber se não estamos acrescentando estrelas que não existem para lucrar. Isso, eu repito, é crime.
- E nunca aconteceu de alguém tentar fazer isso? - Indaguei com cautela.
- Sim, já houve quem tentasse, - admitiu minha mãe - há muitas e muitas gerações atrás. E as consequências foram drásticas, portanto...
Minha mãe não concluiu a frase, mas o sentido estava implícito; ninguém mais se atrevera a dar prejuízo aos cofres reais.
- A contagem de estrelas é essencial para os negócios do reino, - prosseguiu minha mãe - e nossa capacidade de ver mais longe, graças aos novos telescópios, permite aos conselheiros fazer cálculos precisos pelo número e posicionamento de estrelas obscuras. Mas até que eu fosse presa, ninguém sabia ainda que estrelas também podem desaparecer.
- E desaparecem? - Arregalei os olhos.
- Sim, Serafina, foi o que descobriram - revelou minha mãe. - Ainda não sabemos o porquê, mas o fato é uma realidade; eu não havia aumentado a quantidade de estrelas obscuras, pois elas haviam sido registradas por outras observadoras independentes a serviço da coroa. E depois, na medição seguinte, simplesmente sumiram.
- Foi aí que a senhora conheceu papai? - Indaguei.
- Sim, Serafina. Seu pai conseguiu provar a minha inocência e me tirou da prisão. O resto, como você sabe, é história...
Eu não chegara a conhecer meu pai. Ele partira numa missão há muitos anos, quando eu ainda era bebê, rumo aos Contrafortes do Mundo, onde o ar límpido permite ver melhor as estrelas distantes. A ideia era construir um complexo de telescópios lá, e levar as melhores observadoras do reino, como minha mãe.
Mas meu pai e seu grupo de estudiosos e aventureiros jamais retornara. E eu sempre dizia a minha mãe que, quando fosse grande o suficiente, iria em busca dele nos confins do mundo. Minha mãe apenas sorria, e passava a mão na minha cabeça.
- Ainda não cresceu o suficiente, Serafina - dizia então.
Mas esse dia viria, eu tinha certeza. E aquelas estrelas obscuras iriam me pagar pela ausência do meu pai...
- [15-09-2022]