A diarista das estrelas
A casa estava impecável. Isidora perguntou-se o porquê da dona da casa precisar de uma diarista; para manter um imóvel daquele tamanho imaculado, ela deveria ter pelo menos meia dúzia de empregados.
- Eu não tenho empregados - admitiu candidamente Zamora, a patroa. - Mas preciso de uma diarista.
Isidora alertou que não cobrava por metro quadrado, mas por dia de trabalho. Obviamente, um dia de trabalho naquela casa iria custar muito, muito caro, para Zamora.
- Também não lavo, não passo, não cozinho, não sou babá, nem passeio com o cachorro - acrescentou Isidora, aguardando ser imediatamente dispensada.
Mas Zamora não pareceu ficar melindrada.
- A sua tarefa aqui, vai ser apenas passar o aspirador; - replicou - em um cômodo.
As sobrancelhas de Isidora se arquearam.
- De que tamanho, senhora?
- É o meu ateliê - tangenciou Zamora. - Ele fica muito empoeirado e precisa ser bem aspirado todas as manhãs, antes que eu comece o meu trabalho.
- Todas as manhãs, a senhora diz? - Questionou Isidora. - Parece que está me oferecendo um emprego fixo, não uma faxina.
- Lhe garanto que, se chegar cedo, em uma ou duas horas conseguirá dar conta do trabalho e sair para os seus outros compromissos - afirmou Zamora. - Preciso de alguém de confiança para essa tarefa, e você me foi muito bem recomendada.
Disso Isidora sabia; ninguém menos que Maximiliano Mendoza, que deveria estar em Dubai naquele momento, e de cujo apartamento na praia ela possuía as chaves, para limpar enquanto o proprietário estava fora por longos meses.
- Antes de dizer se aceito, preciso ver o local, senhora - ponderou Isidora.
- Muito justo - redarguiu Zamora. - Venha comigo.
O ateliê ficava no andar superior da residência, virado para o quintal arborizado da mesma. Mas ao ser aberta a porta, Isidora deparou-se com uma antessala, onde estavam pendurados trajes de proteção amarelos, com capacetes, do tipo usado em laboratórios para entrar em ambientes contaminados ou perigosos. Zamora virou-se para ela, o rosto tenso.
- O que você vai ver, não pode comentar com niguém.
- Don Mendoza não teria lhe dado meu número se eu não fosse de confiança, senhora - replicou Isidora com ar de dignidade ofendida.
- Desculpe, Isidora - Zamora ergueu as mãos. - Mas eu precisava lhe avisar, pois o que há aqui dentro é bem... incomum.
E começou a vestir um dos trajes, indicando como a diarista deveria vestir outro. Finalmente, depois de todas as vedações e conexões devidamente checadas, a porta interna da antessala foi aberta, revelando uma escotilha blindada; e quando esta abriu-se, após digitado um código numa fechadura eletrônica, o ambiente onde entraram lembrava de fato um ateliê de escultor. O inusitado era o pó brilhante que cobria todos os objetos e o chão, como areia prateada.
- O que é isso? - Sussurrou Isidora, assombrada.
Ao lado dela, Zamora murmurou, reverentemente:
- Poeira de estrelas, Isidora; poeira de estrelas.
A diarista recompôs-se rapidamente.
- Quantos dias faz que ninguém limpa essa bagunça, senhora?
Zamora encarou-a com o olhar aturdido.
- Semanas. Tive que parar de trabalhar quando não enxergava mais o piso.
E agachando-se e pegando uma mancheia do pó:
- Você precisa passar o aspirador todos os dias... estou estocando o pó no porão. Comprei uma impressora 3D, tenho planos sobre o que fazer com ele...
A cabeça de Isidora girava. Poeira de estrelas, uma impressora 3D? Finalmente, balançou a cabeça afirmativamente.
- Está bem, senhora. Pela indicação de Don Mendoza, vou cobrar apenas quatro vezes mais do que meu preço de tabela normal.
- [13-09-2022]