Caçando

Fiquei observando o ambiente e senti náuseas. O ar estava saturado pela fumaça dos cigarros e dos baseados. O hálito alcoólico se misturava com o perfume das lobas, enquanto o suor dos cordeirinhos escorria pelas mãos, que procuravam os corpos se contorcendo no apelo da dança frenética. Péssima ideia minha em comemorar a virada dos trinta na danceteria com alguns amigos e amigas.

Na verdade eu estava caçando... Como sempre. Procurando por sangue bom, sangue novo.

Assim, sentindo a pressão nas têmporas busquei o jardim e a rua. Caminhei entre os transeuntes e parei numa ruela escura, quando um carro estacionou e uma voz suave convidou: quer um Uber senhor?

Abri a porta do carro e sentei no banco traseiro.

Para onde vamos?

Para algum lugar no qual eu possa respirar – falei com um fiapo de voz.

Rodamos um pouco e entrei numa espécie de transe. Quando acordei ela estava abrindo a porta. Desci e percebi que estávamos na Orla do Guaíba. Logo, seguimos por uma trilha de arbustos, sentamos num banco e ficamos olhando uma lua muito redonda refletindo um caminho luminoso nas águas do rio lago.

Passado algum tempo, de soslaio, observei minha acompanhante. Mulher, magra, elegante em seu vestido preto. Devia estar na casa dos vinte e poucos anos.

Então, rompendo o silêncio ela se levantou e parou na minha frente. Era mais alta do que pensei. Ela se ajoelhou e pude admirar o belo rosto emoldurado por um par de olhos intensos. Sem cerimônia, ela retirou o lenço de seda envolto na cabeça deixando uma cascata de cabelos negros caírem sobre os ombros, enquanto me oferecia o lindo e branco pescoço.

Sem pestanejar, ejetei as presas, e, delicadamente, perfurei aquela pele doce e macia, sugando só o necessário para satisfazer a minha fome.

No ato seguinte, quando eu ainda tentava administrar a surpresa, ela sentou-se ao meu lado, afastou um pouco a minha camisa e também ejetou as finas presas, que cravou sem muito cuidado na minha pele, sugando-me com avidez.

Saciada, limpou o canto da boca e fez menção de se afastar, quando segurei sua mão fria e perguntei.

Então é isso? Apenas uma troca? Pensei que isso não fosse possível.

O que? A troca? Em que mundo tu vives? Não sabes dos últimos avanços da mãe Medicina?

E vais me deixar aqui? Estou muito fraco para me recompor.

Deita e dorme – falou ela - afastando-se com um lindo sorriso nos lábios vermelhos e carnudos.

Obedeci e deitei no banco vendo as estrelas se apagarem.

Quando acordei senti uma lambida no rosto e o sol brilhando nos olhos.

Um pouco atônito olhei a moça que segurava um cachorro pela guia e indaguei.

Tu também és um deles? Digo, tu também és uma de nós?

Não. Sou de carne e osso - respondeu ela.

E completou com um sorriso: não sei o que tu bebeu ou fumou, mas tu foi fundo, né amigo...

Ondina Martins
Enviado por Ondina Martins em 12/09/2022
Código do texto: T7604029
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