Reunião

Naquela tarde quando entrei na sala havia um silêncio sepulcral.

Depois que me acostumei com a penumbra pude vê-los, estavam todos lá, todos os meus “eus” reunidos.

Meu “eu” de criança medrosa, meu “eu” de menina magra e dentuça, meu “eu” de adolescente espinhenta, meu “eu” de moça acanhada, meu “eu” de adulta insegura e acovardada.

Todos os meus “eus” estavam acompanhados das versões melhores, que pude transformar ao longo da Vida.

No fundo da sala, muito contrariados, estavam sentados alguns projetos meus, que não vingaram.

No centro da sala e ao redor de uma mesa oval sentaram-se os personagens, que criei em meus arroubos literários, alguns agradecendo pelo desfecho de suas vidas e outros reclamando descontentes, pois os abandonei sem maiores satisfações.

De repente, todos começaram a falar ao mesmo tempo, com agradecimentos, sugestões, acusações e súplicas.

Fechei os olhos e os ouvidos e comecei a contar pausadamente como fazia quando a mãe me colocava de castigo.

Então, percebi a quietude voltando à sala, porém, senti uma sensação estranha, pois parecia que eu estava flutuando no ar.

E não é que estava mesmo!

Os descontentes haviam me hipnotizado e fui pendurada de cabeça para baixo suspensa no fio do lustre da sala.

Agora eu era refém deles.

Assim, implorei por minha vida e ouvi os descontentes dizendo: que piedade tiveste conosco? Somos personagens dos teus escritos, tu nos deste a vida e depois fomos descartados como lixo, aliás, nem lixo somos!

Perdão. Perdão. Eu estava gritando com todas as forças que tinha, quando ouvi a voz suave da Jandira, minha secretária, dizendo: dona Ondina, acorda, o que esta fazendo deitada sobre a mesa?

Atônita, enxuguei as lágrimas, me recompus e falei gaguejando para a Jandira, “estou fazendo laboratório para um novo projeto”.

Qual projeto? – perguntou ela.

De hoje em diante vou revisar minha obra e finalizar tudo o que ficou pendente.

Ótima ideia e comece pela minha história – falou ela toda feliz, adentrando nas páginas de um caderno velho, empoeirado e amarelado pelo tempo.