O Senhor da Chuva

- Ei!! Tá maluco?? Dá a seta, c******. – Disse o motorista calvo do carro que freou à frente.

- Vai se f****! - Disse o motorista do meu carro. Meu pai, outrora tão educado, agora aderiu à “raiva ao volante”.

- Pai! Se acalma!! – Digo em tom bravo.

- Desculpa, filha! É essa m**** de chuva todos os dias que tá me deixando assim.

A chuva já atingia a cidade há dias. Todos estavam ensopados e esgotados, campos de plantação se perdiam e o estresse tomava conta do trânsito.

Meu pai me levava até uma entrevista de emprego em uma mineradora há uns 20 km do centro. Até alcançar a rodovia, tínhamos de enfrentar o congestionamento.

Ele me deixou no estacionamento próximo do escritório e ficou esperando, dormindo no carro. Sabia que a vaga de analista de qualidade dos minérios produzidos seria concorrida e muitos iriam ser entrevistados, vagas de emprego na minha área não estão fáceis de encontrar hoje em dia.

- Amanda, venha. Sua vez. – Disse a mulher que coordenava o processo de seleção.

Tudo correu bem e após a entrevista, ela levaria um grupo de candidatos para conhecer as facilidades da mineradora.

No caminho, passeamos pela lavra, o local de escavação. Era enorme. Até onde a vista alcançava com fileiras de rochas, caminhões carregando minérios e mineradores conversando (era ainda na pausa do almoço). A chuva, é claro, nos acompanhava e atrapalhava o trabalho.

No caminho, algo capturou minha atenção. Na beira de um penhasco não muito distante, um homem olhava para o nada. Não sei se consegui ver com clareza a expressão dele, mas poderia afirmar que era de uma tristeza profunda. Com um sobretudo preto, cabelo preto desarrumado, óculos e um guarda-chuva preto aberto nas mãos, eu podia afirmar que algo nele era diferente de qualquer outra pessoa. De fato, quando ele estendeu o braço direito e abriu a mão, as nuvens a sua frente se abriram. Ele parou a chuva naquela faixa de 1 quilômetro a sua frente como num piscar de olhos.

“Quem é ele?”

Fiz essa pergunta a mim mesma. Cinco segundos depois, ao voltar para meu consciente, refaço a pergunta, agora em voz alta, apontando o local onde estava.

- Ele? Quem? Não há ninguém ali. – Diz a mulher, claramente confusa.

Ele havia desaparecido e as nuvens se uniram como se nunca tivessem se separado. Naquele momento, deixei passar o ocorrido, ainda estava meio atônita.

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A curiosidade me perseguiria nas semanas seguintes. Aquela cena continuou nas minhas memórias. Era ele um deus ou um bruxo? Essas coisas por um acaso existem?

Desde criança sempre fui muito curiosa com fenômenos, sejam naturais ou sobrenaturais. Não à toa, cursei uma matéria que lidava com alguns desses fenômenos. O tempo e a idade adulta chegando devem ter tirado o brilho nos olhos daquela garota, há muito não me sentia animada com algo assim. Mas aquela visão me despertou. É como se me chamasse, como se aquela fosse sua forma de pedir ajuda. Será que ele se mostrou apenas para mim? É uma assombração? Vou ficar mais uma noite em claro, sonhando acordada com aquela cena.

A chuva continuava e como eu não recebia resposta da mineradora, a curiosidade começava a morrer lentamente e a melancolia tomava conta. Essa melancolia voltava hora ou outra nas duas semanas seguintes. Eu tentava tratar com minha psicóloga, mas simplesmente não encontrava jeito de explicar o que vi e como me afetou.

Naquela segunda feira seria diferente. Resolvi tomar uma atitude. Não sei se a melhor, mas foi o que consegui pensar. Menti para meu pai que havia sido chamada para uma “Segunda fase” ou qualquer que fosse a desculpa para fazê-lo me levar de volta à mineradora. Nem lembro o que falei, pouco me importa. Estamos a caminho e a única coisa em minha cabeça é aquela imagem das nuvens se abrindo e aquele homem atormentado por algo ainda inimaginável para mim. Ainda assim, eu tentava imaginar.

“É um anjo caído tentando voltar aos céus? Um mero mortal que dominou os caminhos místicos para controlar o clima e o tempo? E por que ele estava triste? Perdeu alguém importante?”

Fiquei imaginando cenários durante os 40 minutos de viagem, desde o trânsito na cidade até o calmo caminho da rodovia. Nem mesmo pensei em como entraria na área da mina novamente, já que menti que havia sido chamada. Nem mesmo pensava que aquele homem poderia simplesmente não aparecer mais naquele penhasco. Nem mesmo pensei no motivo de fazer o que estou fazendo, mas continuei mesmo assim.

Ao chegar, encarei por alguns segundos, ainda de dentro do carro, o rapaz que cuidava do portão de entrada. Meu pai me perguntou se eu precisaria de ajuda. Se ele soubesse de quanta ajuda eu preciso, nem teria me trazido.

- Não, pai! Tá tudo bem, eu me viro. – Digo, fingindo empolgação e terminando a frase com um sorriso falso.

Abro meu guarda-chuva e me dirijo ao portão. O rapaz me encara, tentando me reconhecer. Não tenho como enganar ele de que havia sido chamada de volta. Ou tenho?

- Me chamaram... co-com relação à v-vaga de estágio... – Sempre tenho o problema de travar sob pressão.

Ele me olha, olha sua ficha, olha novamente...

- Você é a Bruna?

- SIM!!

Nem esperei ele terminar, apenas queria uma deixa.

- Aqui tá anotado pra você vir amanhã, a supervisora nem tá aqui agora.

- Que estranho... ela me falou que vinha ainda hoje... – Quando embarco na mentira, quase fica acreditável.

- Bom, pode esperar ali dentro, então. Se ela disse, deve vir ainda hoje. – Pude escutar os murmúrios de reclamação do rapaz. Talvez seja recorrente, para a minha sorte.

Foi mais fácil que pensei. A partir daqui eu só precisava me esgueirar pelas facilidades da mineradora até chegar ao local de escavação. Contando com o pouco movimento nessa hora do dia, eu me dirigi até a mina e tomei outro caminho dessa vez. Fui por cima, longe dos trabalhadores. O barro e os barrancos seriam obstáculos, mas já vim preparada (de bota e calça velha, uau!). Como vou explicar a sujeira para meu pai? Não pensei nisso ainda.

Após várias quedas, continuava firme no caminho. Com uma força de não sei de onde, continuei. Minha psicóloga estaria orgulhosa.

Já conseguia ver o penhasco novamente. Ninguém estava ali, mas eu me negava a aceitar. Pois acreditava, sem nenhuma prova..., acreditava. Ele iria aparecer.

Três horas depois e nada. Eu esperava escondida para que ninguém me visse. Mas a chuva e o frio começavam a me fazer mal. Meu pai iria começar a me procurar uma hora ou outra, desvendando minha pequena mentira. Iria saber que o fiz embarcar nessa furada por causa de uma simples cena de pouco menos de cinco segundos que neste ponto já nem sei se não apenas alucinação da minha cabeça. E eu não iria saber como explicar isso. Pareceria maluca e talvez seja, de fato...

- Um homem cortando os céus e parando a chuva. Só eu mesmo pra imaginar isso... – Digo num tom de desgosto.

Eu já esperava na ponta do penhasco e não tinha mais força física ou mental para sair dali. O frio aliado à chuva começa a me jogar para o chão.

Prestes a desmaiar, escuto passos abafados pela grama.

Acho que estou prestes a alucinar novamente, pois a chuva a minha volta parou. Não consigo abrir os olhos totalmente, mas vejo aquelas vestes pretas e sinto que alguém está me carregando.

- Por que você não foi embora? – Pergunta uma voz em tom grave.

Fraca demais para responder, apenas murmurei.

- Você.

Quando acordo, estou em uma casa de madeira, deitada sobre um tapete, coberta e próxima de uma lareira acesa. Não estou mais com frio e estou seca, ainda com as roupas no corpo. Levanto-me com alguma dificuldade e tento procurar por quem me trouxe até aqui.

“Será que é ele?”

Penso enquanto olho pelos cômodos da casa. Parece desabitada. Não vejo comida na geladeira, móveis e nada que indique que alguém mora aqui. Até que olho pela janela do quarto e lá, na grama molhada entre as árvores, caminhava o homem de preto, com seu guarda-chuva em uma mão e um pouco de lenha em outra.

Desço correndo as escadas para encontrá-lo. Antes mesmo de vê-lo, ao som do abrir da porta, não me contenho.

- Você me salvou? Como você fez aquilo? Como você parou a chuva? Quem é você?

- Vejo que já está bem. - Ele, de forma seca, responde.

Ele desarma seu guarda-chuva, ignora todas as minhas perguntas e apenas coloca a lenha na lareira, silenciosamente.

- Desculpe, pode ao menos me falar seu nome? Só para eu poder te agradecer do jeito certo. – Falo, quase que implorando por atenção.

Após terminar com a lenha, ele me olha de canto de olho, toma um breve suspiro e diz:

- Eu sou Dilúvio, o Senhor das chuvas, tempestades e tufões. Pelo menos costumava ser, mas já não sou mais nada. – Vejo novamente aquele olhar de tristeza.

Ainda perplexa, não calculei bem o que acabei de escutar.

- Lúcio?

- Dilúvio! Com V.

- Lúvio???

- Pode ser, não importa. Se já está bem, vá para sua casa.

Ele não parece muito alegre com visitas.

- Espera, calma! Eu sou Amanda. Obrigado por me salvar, Lúvio! – Ele me encara e revira os olhos ao ouvir seu nome. – Um dia, naquele penhasco, eu te vi. Você abriu as nuvens. Foi por ver aquilo que eu fui e acabei ali, no chão. Se você não tivesse me salvado, eu apenas teria morrido.

Ele continua apenas me olhando. Para não deixar o silêncio tomar conta e tirar o que eu tinha na cabeça, continuo falando, mais séria do que nunca.

– Eu não tenho tido vontade de fazer nada, não teria nem vindo aquele dia, duas semanas atrás, se meu pai não me obrigasse. Mesmo assim, depois de ver você abrindo o céu a sua frente, a imagem não saiu de minha cabeça. Desde então eu só queria encontrar uma forma de encontrar você e a única coisa que passou pela minha cabeça foi voltar àquele penhasco. Nada faz sentido e pela primeira vez em muito tempo eu queria encontrar sentido em algo. Minha curiosidade me despertou e me desculpe se isso te trouxe ou vai te trazer algum problema, mas eu queria saber mais sobre você.

- Você fala demais. - Lúvio se vira para a porta, toma mais um suspiro e a abre. Nesse instante, a chuva forte para naquela área.

O sol, o céu e um arco-íris aparecem por alguns momentos e eu olho, admirada. Não aguentava mais o cinza das nuvens.

- Siga-me. – Sua voz grave e calma me chama. Sinto paz como há muito não sentia.

Nas próximas horas, nós caminhamos pelos campos verdejantes que circundavam aquela casa de madeira. Secos, pois ele havia parado a chuva naquela área. Na maior parte do tempo, calados. Por vezes, eu perguntava algumas das curiosidades que tinha.

Descobri que ele se autoproclama Senhor da Chuva, não gosta muito de interagir, mas gosta da humanidade e é o que chamaríamos de deus, na concepção humana. Aquele que estava falando seria apenas sua manifestação corpórea para me salvar naquele momento.

Descobri que eu adoro ver o céu azul, pois me admirava a cada vez que notava a beleza daquilo que pouco significava para mim.

Descobri também o motivo da aparente tristeza de Lúvio: ele não podia mais controlar o tempo como antes.

- Então... essa chuva vai continuar para sempre?

- Só estou procurando as forças para controlar o clima dessa região. Vai passar. – Faz uma pequena pausa para respirar. - O caos que tomou o mundo nos últimos séculos deixou tudo incontrolável. A tendência é piorar. Eu sou um deus a cada dia mais inútil e ninguém parece se importar com isso.

Caminhamos até um antigo santuário dedicado a ele. Segundo Lúvio, há alguns séculos, muitos religiosamente ofereciam suas graças à Figura do Dilúvio, uma estatueta dele em cima de um altar que agora pouco se reconhece devido às intempéries. Cada palavra que ele dizia carregava uma tristeza indescritível. A tristeza de acompanhar, impotente e melancolicamente, sua própria queda.

Retornamos ao ponto de início em silêncio. O penhasco que o vi pela primeira vez, de longe. Eu sabia que essa seria nossa despedida. Pelo passar das horas, meu pai já deve ter revirado a mineradora de cabeça para baixo procurando por mim.

- Naquele dia, você esticou suas mãos e fez uma cara muito mais triste do que qualquer outra. Sei que sua tristeza com tudo que ocorre no mundo deve ser indescritível, mas aquela dor eu consigo descrever. É a mesma expressão que vejo em meu pai quando ele vê o retrato de minha mãe. Você já perdeu alguém? - Fiz uma última pergunta, no impulso.

Lúvio não responde diretamente. Apenas abre seu guarda-chuva, encobrindo seu rosto por alguns instantes.

A chuva intensa volta naquele mesmo momento, encharcando-me sem aviso. Quando consigo ver seu rosto, vejo a mesma face de tristeza que acabara de dizer.

- Já falamos demais. Seu pai está preocupado te procurando.

Uma forte ventania atinge a ponta do penhasco e leva sua imagem, como em um truque de mágica. Ele desapareceu. Fui até onde ele estava e olhei para baixo. Chorei por alguns minutos ou horas. Não sabia o que havia acabado de viver, muito menos como viveria daqui para frente. Nunca soube, na verdade.

Escuto gritos vindo de longe, chamando meu nome. Cada vez se aproximando mais.

- Amanda!! Filha!! O que você tá fazendo aqui?? Vem comigo, filha!

Meu pai chega e me abraça. A partir daqui tudo fica branco em minha mente.

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- Doutora, tem alguma forma de tratar minha filha em casa?

- Nesse momento não, senhor. Já é a terceira tentativa de fuga dela em 6 meses. O quadro de depressão não melhorou, o quadro de bipolaridade piorou. Nenhum tratamento vem funcionando. Nesse estado, ela pode atentar contra a própria vida a qualquer momento.

- Eu sei... a mãe dela sempre teve essas tendências também. Um dia ela fugiu do hospício e... – Meu pai engole seco e muda de assunto. - Cuide da minha filha, Doutora, ela é tudo que me restou.

Pouco vi minha mãe, morreu quando eu era ainda bebê. Meu pai não havia contado como ela faleceu e nunca perguntei, pois ver aquela cara de tristeza profunda era algo que eu buscava evitar. Feliz ou infelizmente, as paredes deste hospital psiquiátrico não são tão grossas para evitar que eu escute a conversa atrás da porta de meu quarto.

Após minha breve aventura com o Senhor da Chuva, passei por algumas dificuldades. Caí em depressão, tranquei o curso na faculdade, isolei-me de tudo e todos. Não aguentava mais ver tudo em cinza. A melancolia me tomou por completo desde o momento em que vi o azul do céu pela última vez. Já faz dois anos daquele dia. A chuva já parou e passamos por períodos de estiagem longos, seguidos de novas chuvas constantes. A economia da região entrou em caos pelos efeitos dessa inconstância climática. Aparentemente, Lúvio está tendo trabalho lá em cima. Por outro lado, não pude aproveitar a luz do sol. Não tinha vontade de fazer isso. Já saí para ver o céu limpo, mas parecia cinza mesmo sem as nuvens.

A previsão para hoje é de tempestade. Vou aproveitar a comoção com a chuva forte para tentar fugir de novo deste inferno cinzento. Vou o mais longe que puder. Vou tentar chegar naquela casa de madeira abandonada que Lúvio me levou ou o penhasco onde nós nos despedimos. Não faço a menor ideia do caminho, mas vou tentar.

Os empregados que foram liberados do hospital saíram correndo para suas casas. Os que ficaram, alternavam o cuidado com os pacientes e o cuidado com as goteiras incessantes. Nessa alternância de atenção, esgueirei-me pelos corredores e dei meu jeito de fugir por uma janela do segundo andar. Pulei no jardim de entrada e saí correndo a toda velocidade. Ninguém foi corajoso suficiente para encarar a chuva torrencial e me perseguir.

Descalça, quase era levada pelas correntezas da enchente que tomava a cidade. Nem mesmo sabia para que lado ir. Após vaguear pela cidade por horas a fio, entrei em um beco ainda seco e tentei me proteger por algum tempo. Não foi uma grande ideia sair sem rumo no meio de uma tempestade, admito. Agora, o frio me consome e me tira as forças. Da última vez que fiz isso, nessas condições, foi quando Lúvio apareceu...

“Será que ele viria de novo se eu ficasse na mesma situação?”

Acho que foi isso que pensei. No fundo eu sabia que não chegaria aos campos verdejantes que caminhamos naquele dia, mas tinha a mínima esperança de que ele me alcançasse novamente. Se não acontecesse, já conformada de que minha melancolia não iria passar nunca mais, estava tudo bem descansar aqui no chão frio.

De repente, um relâmpago, acompanhado de seu trovão, me acorda. Foi aqui perto, um barulho estrondoso. Meus olhos se abrem novamente. Acima de mim, aquele homem me encarava. Aquele que me mostrou a cor do céu pela última vez. Ele veio.

- Sabe o que passava pela minha cabeça naquele dia, no penhasco? – Aquela voz grave e calma tocava meus ouvidos de modo que eu ignorava o barulho incessante da chuva. – Uma garota, por volta de sua idade. Há alguns bons anos atrás, ela se perdeu perto do meu santuário. Uma chuva forte a cercou. Para protegê-la, mostrei-me. Fiz o que fiz contigo. Interagi com ela. Estava perdida, não só de seu grupo, mas da cabeça também. Eu podia ver.

- Coincidência. – Murmuro, em voz baixa e com um tímido sorriso.

- Pouco tempo depois, morreu em meio uma tempestade, assim como você tentou fazer. Foi a primeira vez que não consegui controlar a chuva. Ela morreu logo a minha frente, acertada por um raio. O problema de me materializar, é que as emoções me afetam como se fosse um humano. Aquela imagem continua em minha cabeça. Eu a vi em você, por isso a salvei. E de novo, aqui estou, de uma vez por todas. – Não posso ver seu rosto, mas posso jurar que ele estava com voz de choro.

- Como você planeja me salvar? Vai acabar com as chuvas? Não funcionou muito da última vez, olha onde estou. – Junto minhas forças, sento-me no chão e olho para cima, buscando seus olhos.

- Eu sei que não é a chuva que te incomoda. É a melancolia. É não conseguir ver cores em lugar nenhum. É uma das várias coisas que conversamos naquela caminhada, naquele dia.

Eu nem me lembrava direito do que falei naquele dia. Lembro apenas que foi a última vez que me senti leve.

- Pois bem, e então? – Pergunto, ainda descrente.

- Vou te oferecer tudo que me resta. Tudo que resta desse deus inútil perante as mudanças climáticas. Mas você tem de me prometer que vai se recuperar de tudo que está passando. – Diz isso me encarando seriamente.

- Eu prometo. Me ajude... – Nesse momento, sinto minhas forças se esvaziarem novamente. Meus olhos se fecham.

- Então escute o que eu vou te dizer... Deseje com tudo que te resta. Deseje o céu azul. Deseje as cores do arco-íris. Deseje o brilho do sol. O que eu te ofereço é o que me restou, a esperança de que veja um belo dia novamente. A partir de agora, não estarei mais aqui. Não tenho mais utilidade, então te deixo a vida, o que não pude fazer com aquela garota a vinte anos atrás. Peço apenas que cada vez que olhar para o céu azul, sinta-se grata.

Quando abro os olhos novamente, sinto-me cheia de energia. A tempestade passou. Eu estava naquele mesmo beco escuro, coberta com um sobretudo preto.

Saio para ver o céu. Ele nunca foi tão azul...

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- Amanda! Venha recolher as roupas, a chuva está vindo. – Grita meu pai, da sacada.

O tempo continua maluco, mas melhorou de uns tempos para cá. Ao menos não sofremos com estiagens ou chuvas constantes a cada três meses.

- Já vou!

Volto para casa encharcada, a chuva veio rápido. Vou tomar banho e me arrumar para ir ao trabalho. Hoje eu iria para uma festa de formatura ao ar livre. Pensando bem... não seria muito legal se chovesse o dia todo hoje.

“Que tal se eu desejasse que a chuva fosse embora?”

Nem todos tem esse poder, mas nem todos puderam conhecer Lúvio, o Senhor da Chuva.

Saio com a câmera já preparada. O céu já está lindo de novo, vou tirar uma foto. Quem sabe ele está me vendo lá de cima?

Contista Lulu
Enviado por Contista Lulu em 21/08/2022
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