EM BUSCA DA DÉCIMA PRIMEIRA ESTRELA.
Novembro de 2022. Uma semana para o início da Copa do Mundo de futebol, no Qatar. Pedrinho se despediu dos amigos de escola. O álbum da copa debaixo do braço. As figurinhas repetidas no bolso da mochila. A van escolar. O condomínio no bairro Cruzeiro. -"Já para o banho, Pedro Luis." Pediu a mãe, com avental. O garoto de dez anos se jogou na cama. -"Já vou." Uma conversa com a mãe. O irmão mais novo no andador, explorando a sala. -"Quando o pai chega? Ele demora?" A mãe olhou de relance. O álbum da copa debaixo do livro de exercícios. -"Chegará as sete. Vocês e essa mania de colecionador. Estou vendo o álbum da copa, filho." Pedrinho sorriu. -"O papai vai pedir as figurinhas na internet, faltam treze pra inteirar o álbum." O garoto abriu o álbum. -"Completamos o Brasil. O Lucas me deu a figurinha do Paquetá." Cecília montou a mesa do jantar. -"Não sei quem é mais criança, você ou seu pai? Termine a sua tarefa." Alfredo mal entrou em casa, tempo depois, o filho o interpelou. -"Pai. Consegui o Paquetá." Alfredo o abraçou. -"Legal. Após o banho e o jantar, vamos dar uma olhada no nosso álbum." Durante o jantar, o mesmo assunto. Pedrinho e o pai falavam sobre a copa. Mais tarde, pai e filho tinham um tempo a sós, folheando álbuns antigos e escolhendo figurinhas de jogadores. -"Crise, carestia, pandemia e vocês gastando dinheiro com figurinhas de jogadores? Quanto custa pra preencher todo esse álbum da copa?" Pedrinho não respondeu. Alfredo pensou. -"Uns duzentos reais, eu acho. Muitas figurinhas são conseguidas por trocas com outros colecionadores. Um álbum completo desse, daqui vinte anos, vai valer o dobro reais na internet. Se o Brasil for campeão, valerá mil reais." A mulher sorriu e saiu do quarto. Alfredo, na verdade, já havia gasto mais de quinhentos reais no álbum. A alegria do filho ao montar sei primeiro álbum de figurinhas não tinha preço. -"Pai, o Brasil vai ser campeão?!" Alfredo estava surpreso com a pergunta do filho. -"Tudo leva a crer que sim. O time tem opções, o Tite tem experiência, o Neymar tá focado. Há uma grande chance." Pedrinho ficou triste. -"A mamãe não curte futebol." Eles se abraçaram. -"Segredo nosso. Outro dia, ela estava folheando o álbum. Quando chegar o dia do jogo do Brasil, ela veste amarelo, coloca a bandeira na sacada e até faz pastel pra hora do jogo." O garoto sorriu. -"Que legal. Se o Brasil é o melhor porquê só tem cinco estrelas?" -"Ah, Pedrinho! Por várias circunstâncias mas era para o Brasil ter ganho outras copas sim." Por meia hora, Alfredo relatou ao filho outros mundiais onde o Brasil era o grande favorito mas não venceu. -"Nas primeiras copas, tinha uma rivalidade grande entre paulistas e cariocas. O futebol era amador. As viagens eram de navio, demoradas A seleção brasileira foi desfalcada de bons jogadores mas não fez feio. Leônidas da Silva, o diamante negro, não o chocolate foi nosso primeiro fora de série. Ele fazia gol até de bicicleta. Tudo era muito difícil. Teve 1950, no Maracanã, como falei. A copa foi no Brasil devido a reconstrução da Europa, pela ocasião da segunda guerra mundial. Fomos vice com um rolo compressor, uma máquina de fazer gols. Goleamos sem piedade. O Maracanã lotado, com gente saindo pelo ladrão. Uma tristeza enorme com o vice campeonato, perdemos do Uruguai. Botaram a culpa no goleiro Barbosa, injustamente. Em 1978, saímos invictos da copa da Argentina. O juiz invalidou um gol do Zico, com a bola no ar, num escanteio. Um gol que mudaria a história daquela copa estranha, cheia de escândalos. Faltou o Falcão, multi campeão com o Inter e jogando o fino da bola. O Peru, do goleiro Quiroga, entregou a rapadura e deixou passar os gols da Argentina, eliminando o Brasil. Uma página vergonhosa da história das copas. Saímos como campeão moral pois jogamos limpo. Em 82, a tragédia do Sarriá, na Espanha. Eu era garotão e chorei muito. Aquele time jogava por música, era mágico. Leandro, Oscar, Falcão, Zico, Sócrates e Eder, que seleção. Faltou o Leão no gol, era melhor que o Valdir Peres. Faltou Careca e Reinaldo. Não tinha pra ninguém. Tínhamos o empate, pelo regulamento mas o Telê não abria mão do ataque e perdemos da Itália. Três gols do Paolo Rossi. Em 98 o time era ótimo, vibrante mas perdeu a final. O velho lobo Zagallo era o treinador. Ele, campeão em 58 e 62 como jogador. Campeão em 70, de treinador. Campeão em 94, como coordenador. Ronaldo e Rivaldo estavam voando, era incrível. Bebeto ,Cafu, Roberto Carlos, Dunga, Taffarel era uma muralha. Faltou o baixinho Romário. Ele ia acabar com a França na final. O Ronaldo, teve convulsão na véspera, até entrou em campo mas o time estava abalado e irreconhecível. Em 2014, você era pequeno. Em casa, perdemos em casa!" Alfredo estava bravo. Ele continuou. -" Não é por ser são-paulino mas cabia o Rogério Ceni e o Luís Fabiano naquele time. Junto com o Kaká, Robinho, Ronaldinho Gaúcho e Adriano. Felipão e Parreira no banco, eram os feras, os treinadores campeões de 2002 e 94, juntos. Era muita experiência, não era pra ter perdido em casa. Uma copa no Brasil merecia um time mais experiente." Pedrinho pegou o álbum da copa de 2014. -"Cascudo, como o vovô diz. Time cascudo. O Robinho saiu no álbum da copa." Alfredo acariciou a figurinha do rei das pedaladas. -"Pois é. Se o Brasil levasse mesmo a sério, teria umas dez, onze copas no currículo. Nem todos que saem no álbum estão garantidos na copa. Com eles, o Fabuloso e os outros, o Neymar não estaria só. A preparação foi estranha, o Brasil treinava na fria Teresópolis enquanto a Alemanha suava na Bahia. Aquele sete a um doeu. Menos mal que não vimos Messi ser campeão aqui, na nossa casa. Seria ainda mais triste!" Pedrinho contou nos dedos. -"O Brasil é penta. Se tivesse ganho em 50, 78, 82, 98 e em 2014? Seria o que?" Alfredo sorriu. -"Seria decacampeão. Se o Brasil levasse a sério, seria a NBA do futebol, teria ganho umas dez copas. Iríamos atrás da décima primeira estrela no Catar!" Pedrinho espalmou as mãos. -"Não ia ter espaço na camisa pra tanta estrela." Alfredo concordou. -"E olha que não falei de 2006, do quadrado mágico com Ronaldo Fenômeno, Ronaldinho, Kaká e Adriano. Perdemos da França, gol do Henry. Dida, Dida, aquela bola era sua, meu garoto. O Brasil só perde pra ele mesmo, temos ginga, magia e alegria. França que nos tirou em 86, nos pênaltis. França que poderá ser nossa rival na final, no Qatar." Pedrinho abriu o álbum, na página da França. -"Odeio a França. Vão sair na primeira fase." Alfredo riu. Apontou o álbum. -"Eles têm Kante, Benzema, M'Bappe, Griezman e Pogba. São os atuais campeões. Copa do mundo não tem jogo fácil, é só pedreira. Vacilou, vem embora sem choro nem vela." -"Mas o Brasil é mais forte. Temos o Hulk. Nenhuma outra seleção tem super herói, só a nossa." -"O Tite convocou o Hulk pois a FIFA permitiu chamar vinte e seis jogadores. De outra forma, com vinte e três, duvido que ele chamaria o Hulk." Tempo depois, Pedrinho se preparava pra dormir. O álbum da copa debaixo do travesseiro. Alfredo e a esposa rezaram com o filho e saíram do quarto. A luminária acesa. A conversa com o pai. O garoto tinha ótima memória. -"Era para o Brasil ter dez estrelas, quiçá onze!Se levasse a sério a preparação, o Brasil teria ganho muitas copas." A frase do pai na sua cabeça. O garoto orou. -" Anjo da guarda, faça o Brasil ser campeão, por favor. Quero ver o Brasil campeão." Os olhos cansados. O sono. Pedrinho viu o selecionado brasileiro embarcar no navio, rumo a copa de 1934, na Europa. Os jogadores paulistas, sem embarcar, não convocados devido a rixa Rio- São Paulo. A torcida ouvindo os jogos pelo rádio. -"O escrete brasileiro entra em campo, todo paramentado de branco. Avante, brasileiros!" Gritava o locutor da rádio Nacional. Pedrinho se mexeu na cama. Viu o Maracanã lotado. Ele estava na geral, ao lado do pai. -"Gente saindo pelo ladrão, Pedrinho. Vamos ganhar, até comprei uma faixa de campeão no camelô." Os times em campo. Barbosa, Rui, Augusto, Noronha, Alfredo, Bauer, Jair, Juvenal, Luisinho, Maneca, Danilo, Bigode, Ely, Chico, Friaça, Zizinho e Ademir de Menezes. A torcida vibrando. Friaça fez um a zero para o Brasil. Schiaffino empatou para o Uruguai. Gigghia virou para os celestes. Pedrinho estava apreensivo. -"O Brasil é forte. Estamos em casa." O Brasil massacrava o Uruguai. Ademir fez um gol, de voleio. O Maracanã tremeu. Zizinho fez outro gol. Brasil, campeão mundial pela primeira vez. O capitão Augusto da Costa pegou o troféu e o levantou, levando o estádio ao delírio. Getúlio Vargas entregou a faixa aos campeões. O Brasil em festa. A primeira estrela sobre o escudo da CBD. Pedrinho viu as conquistas de 58 e 62. Belini ergueu a taça do bicampeonato, em 58. Mauro ergueu a taça 62, do tri. A mesma base nos dois títulos, da Suécia e do Chile. Pelé e Garrincha brilhando, ao lado de Gilmar, Djalma Santos, Zito, Nilton Santos, Vavá e Zagallo. Mais duas estrelas na camisa. O sonho agora era colorido. O ano era 1970. Copa do México. A imprensa exaltava a constelação de camisas dez no mesmo time. Pelé era a estrela maior, ao lado de Jairzinho, Rivelino, Gerson e Tostão. Goleada na final contra a Itália. Quatro estrelas sobre o escudo. Carlos Alberto Torres ergueu a taça do tetra. Pedrinho e Alfredo felizes. Ano de 1978. Pedrinho estava na Argentina, ao lado do pai. Falcão estava arrebentando na copa e chamava a atenção de grandes clubes europeus. O gol de Zico contra. Suécia, no último mundo jogo, mudou a história do mundial. O goleiro Quiroga fechou o gol, impedindo a classificação da Argentina. Brasil e Holanda na final. Falcão versus Cruyff. Brasil, com um pombo sem asa do búfalo Gil, fez um gol suficiente pra ser campeão. Brasil, penta campeão. O melhor futebol vencia de novo. Outra estrela sobre o escudo, agora da CBF. Rivelino ergueu a taça do penta. Pedrinho se viu na Espanha. Alfredo estava empolgado. O álbum da copa completo. O Brasil tinha despachado a Argentina de Maradona. Jogava pelo empate com a Itália de Zoffi, Altobelli, Conti e Paolo Rossi. Itália que tinha suado sangue pra passar pela primeira fase. Tele Santana, surpreendeu a todos e fechou o time. Sacou Valdir e colocou Leão, campeão em 70 e 78. Tirou o pupilo Luisinho e botou Mozer na zaga. Cerezo deu lugar a Paulo Isidoro. Leão pegava tudo. Três a dois pra Itália mas o juiz marcou pênalti de Gentile em Zico. O galinho de Quintino empatou o jogo épico. Oscar aumentou de cabeça, sem chances a Zoffi. Brasil classificado. Outra vitória na semi. Brasil e Alemanha na final. Tele Santana voltou a abrir o time. Brasil goleou por três a zero e pôs outra estrela sobre o escudo. O capitão Sócrates, o doutor, levantou a taça do hexa. O mundo se rendia ao futebol arte. Voa canarinho, voa. Pedrinho viu Romário ser a cereja do bolo da seleção de 1994. Um time dedicado e unido. A sétima estrela na camisa, após passar nos pênaltis sobre a Itália de Baggio. Pedrinho se virou e ouviu nitidamente Galvão Bueno, ao lado de Pelé, se esguelar e gritar: -"É hepta." Outra estrela na camisa canarinho. Dunga ergueu a taça. Pedrinho viajou no tempo. Ano de 1998. Copa na França. A coletiva de Zagallo. O treinador chamava Romário pra copa de 98, na França. -"Vai jogar a final. Dá tempo de se recuperar." O Brasil era o grande favorito. Taffarel, Cafu, Aldair, Roberto Carlos, Cesar Sampaio, Leonardo, Dunga, Bebeto, Denilson, Rivaldo e Ronaldo, o Fenômeno. Um atropelo. A Dinamarca, a Holanda, os rivais caindo, um a um. Brasil e França na final. Ronaldo teve convulsão. O mundo em choque. Romário ou Edmundo? Zagalo escolheu o baixinho. Três bolas na área, três gols de Romário. Três a zero para o Brasil. Nenhuma novidade, Brasil campeão de novo. Zidane, marcado por Zé Roberto e Doriva, triste e derrotado. Pedrinho sorria, dormindo. Mais uma estrela na camisa amarela. Mais uma taça erguida por Dunga, o capitão. Ano de 2002. Copa no Japão e Coreia do Sul. Pedrinho com o álbum. Alfredo tirou férias e foi a copa com o filho. A primeira na Ásia. A família Scolari. Felipão levou Romário, o herói de 94 e 98 , que igualaria Pelé com três mundiais. Cafu, Roberto Carlos, Rivaldo, Denilson no time. Ronaldinho Gaúcho e Kaká, a juventude pedindo passagem. O time voando. Felipão se deu ao luxo de escalar o time reserva contra a Costa Rica. Goleada dos reservas. Junior, Edilson, Luisão, Edmilson, Roque Jr, Juninho Paulista, Ricardinho, Kleberson, uma geração de craques. Outra final com a Alemanha. Dois gols do fenômeno Ronaldo, um exemplo de força e recuperação. Um show de Rivaldo e Ronaldinho Gaúcho. Outra estrela na camisa amarela. A nona estrela. O Brasil de novo em festa. Galvão Bueno chamando o Olodum pra animar a torcida. A delegação brasileira sendo recebida pelo presidente da República. Vampeta dando cambalhota na rampa do palácio. O país do futebol em festa. Mais uma copa do mundo na galeria. O ano era 2014. O Brasil, maior vencedor com nove títulos, único a jogar todas as copas, recebia o Mundial. O mascote Fuleco, um tatuzinho colorido e simpático. As arenas construídas. A arena da Baixada, do Atlético Paranaense. A arena de Itaquera, do Corinthians. As arenas em Recife, Belo Horizonte, Cuiabá, Salvador, Brasília, todas modernas. Maracanã, palco da final. Os gramados no padrão FIFA, tapetes. As seleções chegando. Messi e Cristiano Ronaldo, as principais estrelas. A Espanha, atual campeã na copa da África do Sul, um time temido. Holanda, Alemanha, Inglaterra, França entre os favoritos. O Brasil de Neymar, vencedor da copa das Confederações, como favorito. . Felipão e Parreira no comando. O país parado. As ruas enfeitadas de verde e amarelo. -"Não podemos abdicar de talentos como Ceni, Ronaldinho, Kaká, Luis Fabiano, Adriano Imperador e Robinho. Eles terão uma preparação diferenciada, visando a copa que é um torneio curto. Como disse o Garrincha, não tem segundo turno. A copa das Confederações é enganosa, não fizemos as eliminatórias. Precisamos de experiência e opções caso percamos o menino Ney." Disse Luis Felipe Scolari na coletiva, antes de anunciar a convocação pra copa. Contra a Colômbia, Neymar levou uma joelhada de Zuniga. O craque estava fora da copa. Um desfalque e tanto para a sequência do país do futebol. Contra a Alemanha, no Mineirão, Felipão escalou Robinho e povoou o meio campo. Brasil cinco a três, num jogo eletrizante. Kaká, Ronaldinho e Adriano jogaram muito. Brasil na final contra a Argentina de Messi. O Maracanã lotado. O mundo parado pra ver a final sul-americana. O mestre Ronaldinho contra seu pupilo de Barcelona, Lionel Messi. Um jogo amarrado até o gol de Hulk, aos quarenta do segundo tempo. Thiago Silva ergueu a taça, colocando seu nome na extensa galeria de capitães brasileiros campeões do mundo. Brasil, dez vezes campeão do mundo. Uma histeria nas ruas do país. -"Neymar será o capitão da décima primeira estrela." Repetia Tite, na coletiva de imprensa no Catar. Pedrinho despertou. Um sorriso ao lembrar de seu sonho. Ele acendeu a luz do quarto e pegou o álbum da copa do Catar. O garoto desenhou mais cinco estrelas sobre o escudo da CBF. FIM