A Arte, e o Novo Tempo 18

A Arte, e o novo tempo 18

Entrou no palco um menino descalço.

Dependurado em seu pescoço, um estilingue, daquele que os meninos das décadas do século XX, utilizavam para matar passarinhos.

Chegou assoviando, como quem tivesse acabado de campear na floresta passarinhos para o abate para comer no almoço.

Usava calça com suspensório. Tinha traços que meiava descendência de índio latino americano, africano, europeu e americano, cujo cabelo destacava o avantajado liso e preto do indiano. Entende?

Por mais que parece impossível de ser identificado o moleque nas ancestralidades, o lado meio europeu, americano, africano e índio latino americano, era emergido na totalidade daquele ser humano. Cabia nele a totalidade da mistura das nações, no acabamento, com o cabelo negro e liso do indiano.

Seu olhar observador tentando decifrar o que via.

Um homem rodopiando no meio do palco, cantando Glória aos Anjos! À Deus, aleluia! Vestido de tal maneira que era impossível decifrar o sexo, se era homem ou mulher, que mais cheirava a uma crise de histeria, ou coisa assim.

O menino, esticando o estilingue até a parte baixa da cintura, segurando a funda com uma pedra dentro, como que preparado para esticar o elástico e atingir um alvo, do assovio, encostou em um canto do palco, cuja fisionomia era o de : Vixi! Não estou entendendo nada. Olhou para a plateia e disse:

---O que deu no homem gente! Pirou? Não se avexem! Tenho visto muitos destes nas ruas e redondezas da cidade onde moro; andarilhos falando sozinho, homens da religião pregando nas praças e templos, envolvidos na inspiração que os movem, adeptos da religião, em êxtase, ouvindo os sermões e as pregações nos templos, pulando e gritando, na tentativa de serem ouvidos por Deus. Outros, falando em línguas, em avivamento nas cerimônias religiosas.

Andando pelas praças, cruzo com viciados em transe no efeito da droga, participei de campeonato em estádios de futebol, sentindo a vibração da torcida festejando um gol, chegando alguns quase a loucura.

__E este homem, que tanto rodopiou, quem é?

Fui educado na minha terra sobre a história dos meus ancestrais. Cansei de ouvir sobre guerra, pestes, gente indo embora aos montes por motivo pequeno. Cansei de ler tanto sangue.

Ao certo, este é o que vem das muitas tribulações e das muitas dores.

Ao certo é um deles.

*** *** *** *** ***

Enquanto isto, o artista, protagonista da peça, de tanto rodopiar no palco, caiu prostrado no chão, debruçando, com o rosto voltado ao solo, totalmente alheio à presença do menino, que havia terminado de entrar na cena.

O menino continuou:

___Há dias, andando na redondeza do lugarejo onde moro, resolvi estender um pouco mais meu caminhar, além da linha de permissão dada aos habitantes da terra onde moro.

Da floresta que costumo caçar todos os dias, fui um pouco mais longe, entrei num pântano lamacento. Gostei de ouvir meus passos nas trilhas que foram aparecendo, passei degustar um outro tipo de silêncio; o som dos passarinhos e dos bichos da floresta, serviam de encantamento para meu ser nutrir da coragem em continuar seguindo.

Depois que havia me esquecido de que era dia ou noite, frio ou calor, despertei meus olhos vendo longe um clarão por estas bandas, como nunca havia enxergado.

Andei quilômetros, pensei que fosse mais perto o destino. Mas andei dias, chegando aqui depois de três fases da lua.

Graças à lua cheia, trazendo clareza na estrada à noite, pude encontrar o lugar.

Chego aqui, este ser rodopiando, dizendo Glória a Deus, Aleluia.

Devo auxiliá-lo levantar do chão?

Márcia Maria Anaga
Enviado por Márcia Maria Anaga em 26/07/2022
Código do texto: T7568625
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2022. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.