A vida em um ato

 

– Heureca! Eca...eca...eca....

Belo! O eco da minha voz merece bis.

– Heureca! Eca...eca...eca....

– Como não pensei nisso antes?

Com alguns retoques adapto o hardware existente.

Verticalizo o dorso, ajusto a mobilidade e a funcionalidade dos membros.

Quanto a produção de série, incluo uma matriz plural compartilhada.

Juntas, somam e se multiplicam; porém, preciso fisga-los pela recompensa do ato.

Acrescento um módulo aberto de emissão de sons, sensores internos e externos.

Para o software, uma célula de processamento e coordenação provida de inteligência progressiva, dividida em duas subunidades dotadas da razão e da emoção que embora seja zona de choque entre o físico e o espiritual evita que se destruam em massa pelo egoísmo e solidão, basta-lhes o conflito da hibridez.

Mesmo assim, o engenho vai apresentar falhas ao longo da jornada.

Garanto assistência para os danos simples, para os médios busquem suporte na rede conveniada.

Os casos de desgaste por uso ou por tempo, recolho um a um ou em lotes.

A reposição é feita pela matriz plural.

Não obstante a segurança de estar sobre uma plataforma de hardware testada por longo período, o software de desenvolvimento instantâneo justifica o dispêndio da substituição de versões com falhas crônicas ou obsoletas.

–  Mãos à obra!

– Hip, hip, hurra! Pisquem astros, raios iluminem a imensidão, trovões aplaudam.

 A mais desafiadora obra da minha linha de montagem, a matriz auto multiplicadora está pronta.

Por segurança, um teste das funções básicas; afinal, vai ser entregue ao cenário e a própria sorte sem manual de instruções com direito a uma fatia aleatória de tempo para proveito sob o jugo das suas escolhas.

Faróis, ok.

Circulação de ar, ok.

Detector de som, ok.

Abertura de reabastecimento, ok.

Saídas de descarga de líquido e sólido, ok.

Movimento e emissão de sons, ok.

Na parte mecânica tenho absoluta certeza do funcionamento, as avarias previstas vão surgir.

A preocupação recai sobre a interação do software com o hardware.

– Hip, hip hurra! Vivam híbridos criatura e animal.

 

Publicado na coletânea Concerto de Palavras