A fazedora de chuva
E ao atravessarmos o Deserto Vermelho, onde raramente chove, fomos surpreendidos pela visão de uma choupana, no fundo de um vale pedregoso. Sobre ela, havia uma solitária nuvem cinzenta. E da nuvem, caía uma chuva miúda e constante.
- Que sortilégio é esse? - Indagou Nare, nossa guia. - Passo por estas terras há anos e nunca vi nada parecido.
- Decerto que há ali algum feitiço operando - avaliei. - Vamos fazer um pequeno desvio de rota e averiguar.
Deixamos a caravana aguardando na borda do vale e descemos eu e Nare a pé, rumo à choupana. O vento estava forte e o céu azul, mas a nuvem de chuva parecia ancorada sobre a construção modesta. Cobrimo-nos com nossos mantos, para nos proteger da garoa incessante.
- Oh de casa! - Nare bateu palmas na entrada.
Pouco depois, a porta entreabriu-se e uma mulher jovem e descabelada nos encarou pela fresta.
- O que querem? - Indagou.
- Estamos a caminho do Oásis de Ari, e vimos essa curiosa nuvem sobre a sua casa - expôs a guia. - Eu sou Nare, e este é o mercador Gor.
- Nos chamou a atenção uma nuvem de chuva cativa neste local - acrescentei. - É você quem a controla?
A mulher finalmente abriu a porta.
- Sim, meu nome é Anahit e estou tentando encontrar um meio de fazer chover em todo o deserto, - admitiu ela - mas ainda não tive sucesso. A magia aqui é apenas residual, insuficiente para cobrir mais do que essa choupana.
- Seria uma boa coisa se pudéssemos reaproveitar estas terras estéreis - ponderei. - Há algo que possamos fazer para lhe ajudar nessa empreitada?
- Se puderem, tragam sementes de baobá - disse ela, após pensar um pouco. - Se as árvores ocuparem este vale, poderei criar um oásis aqui.
E quando voltamos de Ari, trouxemos as sementes pedidas e a Anahit começou a plantá-las por todo o vale. Mas Nare me disse que não devíamos incentivá-la em seu projeto.
- O fato da magia no Deserto Vermelho ser residual, não é por acaso. Tudo isso aqui, já foi o fundo de um mar, e acho que o que Anahit está realmente querendo fazer é trazer esse tempo de volta.
- Está claro que ela não vai conseguir, - ponderei - mas se continuar tentando, pelo menos vai recuperar algo das terras do deserto.
Volta e meia, ao passar com minha caravana pela entrada do vale, víamos que agora havia uma floresta jovem e florescente crescendo ali. Talvez o mar com que Anahit sonhava, fosse na verdade um de copas de árvores. E sobre elas, uma nuvem cinzenta de chuva, como um grande regador cativo…
[27-05-2022]