Terra fervente

Ao saber da notícia da captura de um dos informantes de Elizabeth, a quem já queria chamar de Elis, Emílio sentiu pontadas no estômago e uma saudade enorme dos seus tempos de gordo sedentário enclausurado no apartamento. Era uma vida mais simples, sem problemas e também bastante tediosa. Porém, nunca passaria perto de correr risco de vida, exceto por um infarto aqui, uma intoxicação alimentar acolá… Coisas triviais de quem vive na rotina.

Entretanto, agora era um dos “mocinhos”, o cara que seria responsável por salvar a vida de milhares de inocentes, e, se tudo desse certo, viraria personagem de filmes e histórias em quadrinhos. Ah, os devaneios da humanidade… “Basta um simples poder para um homem sentir-se invencível” – pensara Elizabeth, enquanto observava Emílio atuando. Não o via mais do que uma ferramenta. Sim, é verdade que possuía uma dívida com ele por cuidar da sua sobrinha, mas não sentia necessidade de ter qualquer outro sentimento do que gratidão pelos seus feitos. Era uma relação que não via muito futuro, além da troca de conhecimentos. Emílio pensaria o mesmo?

“Criar barreiras e armar e desarmar firewalls eram atividades muito semelhantes” dizia Emílio a plenos pulmões e com certo ar de prepotência. A cada nível que avançava no seu treinamento, elevava o seu ego. A gordura perdida era combustível para uma autoestima elevada e uma soberba, até então, desconhecida. Emílio começava a provocar seus colegas para pequenas disputas com o intuito de elevar o seu poder e plantar algum tipo de hierarquia naquele lugar, pelo menos entre os aprendizes de baixa potência.

Contudo, não conseguiu evitar o ar de apreensão e medo quando viu outros que possuíam poderes, assim como ele, serem abatidos e tornados reféns. Aquilo era um grande balde d’água fria em suas expectativas de se tornar um tipo de “super-homem” com suas habilidades recém-descobertas. Ao mesmo tempo, servia como um jeito de acordar para a sua realidade, afinal antes de tudo aquilo acontecer, ele era apenas um programador solitário.

O cenário ficou ainda mais desolador quando Elizabeth recebeu uma chamada de vídeo com o seu informante amarrado ao lado de outras pessoas com poderes presas. Vendo aquilo, Emílio ficou pálido, mas conteve suas emoções, uma vez que Laura estava começando a ficar assustada também. Por mais medo que tivesse não poderia deixar que a garota ficasse na mesma situação. Em toda essa jornada, acabou adquirindo um carinho pela garota, então não poderia deixá-la triste.

O diálogo não foi tão longo. Todavia, contou com ameaças e demandas dos sequestradores, as quais não foram tão consideradas por Elizabeth, algo que deixou Emílio desconfiado, mas não preocupou os seus aliados, que permaneciam imóveis durante todo o momento. Teria algum segredo que ele não sabia? Seria tudo uma encenação? Ou já teriam largado tudo e largado a sorte para salvar os desesperados?

Absorto entre todas essas possibilidades, Emílio quase não percebeu quando Elizabeth o chamou para ver as filmagens do local, apontando para uma sombra entre os prisioneiros que permanecia imóvel. Inicialmente, ficou sem entender para o que estava olhando e por que ela tinha tanta confiança naquela pessoa no meio da escuridão, pois não parecia ser alguém tão especial. Porém, ela seguia repetindo: “apenas olhe”.

Enfim, ele seguiu suas palavras. Para a sua surpresa, uma espécie de luz vermelha começava a subir naquele canto, fazendo a terra tremer e uma fumaça subir. A fumaça chegou a subir tanto que acabou encobrindo as filmagens. Em pouco tempo, todos os soldados estavam caídos e os prisioneiros soltos. Ainda tentando entender o que estava acontecendo, uma vez que as câmeras estavam encobertas pela fumaça, Emílio não teve outro sentimento senão o de admiração e espanto, afinal em que mundo estava mesmo? Essa que é a realidade dos heróis?

Era tudo muito incerto e fantástico. O que causava medo e admiração em medidas diversas, o que estava caindo bem para ele até ali. Enquanto Elizabeth recebeu uma ligação confirmando aquilo não mostrado pelas filmagens. Todos estavam recuperados e a caminho do abrigo. Ou seja, mais gente com habilidades para treinar com ele e Laura. Não que tivesse interesse pelos demais que estavam por vir. Queria mesmo era ver aquele que fez a terra ferver, a luz brilhar e os seus inimigos derrubar. Poderia ser o grande herói que “muda o jogo” como costumava ler nas suas HQs, além de ser uma rara oportunidade de dizer que a vida imita a arte, trazendo uma empolgação que nunca sentira em toda a sua vida. Enfim, estava no lugar certo.

Por outro lado, no local do sequestro, um dos sobreviventes com habilidades carregava um aparelho diminuto no peito, algo que o seu “salvador” não notara quando fizera o resgate. Por ser pequeno, era fácil de não ser percebido, especialmente quando tem mais pessoas a serem resgatadas. Aquilo poderia ser muito suspeito, já que ele também estava embarcando na van para retornar a base em que Laura e Emílio se encontravam. Pouco antes de subir, falou alguma coisa na direção do pequeno instrumento como se estivesse mandando mensagem para alguém. Seria um infiltrado no meio dos resgatados?

Continua..

O andarilho

Rousseau e o Andarilho
Enviado por Rousseau e o Andarilho em 11/05/2022
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