Sobre meninos e homens

O menino mais baixo parou, olhou bem, calculou como dizer que estava com medo sem que dissesse que estava com medo.

O menino maior fez pouco caso; mal saltou da bicicleta - que riscou-se contra o chão, largada de sopetão - e já foi em direção ao portal.

- Caraca, que maneiro! O que será que é?

- Não sei - gaguejou o menor. - Mas tá tarde, acho melhor a gente voltar...

Se o maior ouviu a consideração temporal, ignorou. Ia até o portal com os olhos vidrados, metade bravura, metade curiosidade - e coladas pela adolescência.

Descobriram a coisa por acaso, debaixo daquela ponte quebrada, uma obra da qual seus avós teimavam em não lembrar onde ia dar; se lembravam, torciam o nariz num descaso ressentido.

O portal era emoldurado pelas pilastras de sustentação, sua superfície como um vidro esfumaçado.

O garoto maior foi estendendo o braço.

- Espera! - gritou o menor, pressionando nervosamente os dedos das mãos - Tipo, e se a gente, sei lá, chamar alguém?

O garoto menor pensou em subir de volta na bicicleta, ir até a casa dos pais, chamar um adulto. Um adulto saberia resolver aquilo; ou ao menos dizer se era seguro ou não. Era para isso, afinal, que serviam os adultos.

Mas o garoto maior ainda era bravo, curioso e adolescente.

- Cagão!

Rindo cruzou o portal.

No que cruzou, o riso cessou. Porque nada acontecera. A superfície esfumaçada continuava ali, uma cortina inútil, mas um lado como o outro, sem mágicas, sem Alices, sem mistério algum.

Sóbrio, ele concluiu:

- Não dá nada.

O garoto menor estava desconfiado, mas, bem, por que não? Cruzou também e... Nada.

Ficaram os dois, do outro lado, esperando pela mudança.

Até que se olharam, deram de ombros, subiram nas bicicletas. Pedalaram em silêncio o caminho da volta, e na esquina onde o caminho se dividia apertaram as mãos.

- Até amanhã - disse um.

- Até - disse o outro.

A noite caiu antes que eles chegassem a seus lares. O que a escuridão encontrou foi dois homens desajeitados em cima de suas pequenas bicicletas pensando profundamente sobre algo que pareciam ter perdido, sem saber o que.