Rastros na noite escura
Uma olhada pra trás. Mais uma. Outra e nada à vista. Emílio pode respirar aliviado nem que fosse por um ínfimo instante. Todavia, sentia que não seria algo duradouro, pois se sentia em um filme de ação ou em algumas das séries que acompanhou anos a fio. Sua única dúvida era saber como aquilo acabaria. Se seria um final feliz ou apenas uma condenação maldita de um personagem secundário na história, afinal não tinha poderes, tampouco físico de atleta. A aptidão que possuía era sobreviver. Dessa vez, precisava proteger alguém, algo que não compreendia porque fazia, mas o baile seguia.
Alguns quilômetros atrás, sua perseguidora vinha. Depois de olhar o carro abandonado na estrada, notou uma foto que ficara pra trás. Nela, aparecia a criança junto de seus pais, sorrindo de felicidade. No verso da foto, tinha um endereço, seguido com o nome "Nosso paraíso". Observou aquilo e pensou: "será que vocês vão para lá"? Apesar de curtir o jogo da perseguição, sentia-se sem pistas. Então, decidiu apostar naquele endereço. Na pior das hipóteses, descobriria um local de segurança pra criança. Ou seja, um tipo de "ganha-ganha".
Enquanto isso, Emílio e Laura fizeram uma parada numa lanchonete para comer alguma coisa e organizar os pensamentos. Estavam em fuga, mas para onde iriam? Um dos seus colegas de trabalho morava por aquela região. Teria problema se fosse até ele? Talvez fosse esquisito, visto que não se viam fora do trabalho. Talvez, gostasse da surpresa. De toda forma, era preciso tomar uma atitude. Não poderia seguir fugindo eternamente.
No fim das contas, decidiram seguir para a casa do colega. Optaram por ir de ônibus, para seguir sem chamar atenção. Para sorte deles, o veículo não se encontrava tão cheio e ninguém parecia saber quem eram. De algum modo, tudo caminhava dentro dos conformes. No entanto, aquilo parecia ser bom demais para ser verdade...
Suas preocupações eram justificadas, afinal se aquele era um filme de ação, precisava ter conflitos e alguma virada de roteiro, coisa que ainda não havia acontecido. Emílio não pensava em nada disso naquele momento. Só queria um abrigo e um lugar para pensar ou fugir. O que fosse mais fácil seria melhor. Era preguiçoso e gordo, predicados ausentes nos heróis das revistas que lia, tornando mais compreensível a sua necessidade para acabar com tudo aquilo.
Desceram do ônibus e começaram a caminhar. Andaram por trinta minutos até chegar à casa de seu colega. Tocaram uma, duas, três vezes. Ninguém abriu. Insistiram, aguardaram e...nada. Passados vinte minutos, Emílio era a própria face do desespero e da desilusão. Começava a ter sensação de que a "vaca tinha ido pro brejo". Ninguém seria capaz de ajudá-los agora. Passava a dar voltas, coçar a cabeça e olhar pra baixo e pra cima, num misto de pensativo com preocupado. Sabia que não podia demorar muito, visto que uma criança dependia dele. Precisava ser um exemplo, algo incomum para ele. E agora?
Se aquilo tudo era um filme, também era preciso um evento inusitado para dar uma guinada na história. Nesse momento, Laura arregalou os olhos e começou a gritar e puxar Emílio de forma abrupta e apressada. Assustado e sem entender nada, pedia calma para Laura, mas era inútil. A menina seguia com muita convicção puxando-o em direção à uma casa no final da rua. Sem ter melhores alternativas, decidiu seguir a intuição da menina.
Caminharam, caminharam até chegar numa casa grande com um portão de madeira e telhas escuras como carvão. Tanta imponência causava calafrios em Emílio, chegando a pensar por um segundo: "Eu tenho um mal pressentimento sobre isso". Alheia a tudo isso, a garota não tardou a tocar na campainha da casa, para o desespero dele que gostaria de passar discretamente. Para surpresa dele, começou a ouvir passos se aproximando, similar a um andar de um salto alto. Seria alguma tia de Laura?
Quando o portão se abriu, uma face nada agradável deu o olhar da graça, fazendo Emílio ficar pálido e sem voz.
- Olá, meus lindinhos! Procurei tanto por vocês! Entrem, por favor!
Um sorriso no rosto, sangue nas roupas e uma arma apontada para eles parecia ser um convite irrecusável. E antes que Laura pudesse agir, ela atirou na perna de Emílio, deixando um aviso que não seria fácil escapar dali. E agora?
Continua...
O andarilho