Somos duas e somos uma
Você não pode... Não! Você não deve!
E nem vai, de forma alguma.
E ao dizer a última palavra seus olhos encheram de lágrimas. Eu vi uma força gigante, mas tão gigante que era maior que ela. Parecia que ia esmaga-la.
- Pode chorar. Não ligo. Mas daqui você não sai.
Ela queria muito sair, queria com todas suas forças. Mas não podia. Tinha medo, era como se fosse sua refém. Obedecia a tudo fielmente. Não ousava sair do lugar, não ousava olhar na direção errada.
- Não é por querer te prender aqui. É porque eu sei que você ainda não está pronta.
Se perguntava quando estaria... E se de fato algum dia estaria pronta. Sabia que estava no seu limite, que a qualquer momento poderia levantar correndo e sair que nem um foguete pela porta, que estava obviamente sempre aberta. Olhava na sua direção doida pra ter coragem de levantar e atravessar o marco. Sentia a sensação de suas pernas já dormentes de tanto tempo que passara sentada, levantando e dando passos velozes com pressa de ir. Se imaginava do lado de fora, livre, nua, feia, com as marcas do tempo, com lágrimas no olhos, porém inteira e completa.
- Se você soubesse como é lá fora, não sairia daqui nunca! E se sair, não vai achar o caminho de volta, vai ter que aprender a dormir sozinha.
Seus olhos não se moveram, continuavam a olhar a porta. Pensava que já passara tempo demais ali dentro com ela. Já a conhecia da cabeça aos pés, das mentiras aos sonhos, dos prazeres aos defeitos. Sentia que não tinha posse sobre si mesma, que estava em suas mãos. E não se sentia mal todas as vezes por isso. Se sentia protegida, tinha conforto onde ela morava. Tinha todas as lembranças penduradas na parede de quando fostes feliz, pra não esquecer que só existiu felicidade porque a escutou. Apesar de limpar a casa todos os dias, tinha sempre uma manchinha de tristeza que não saía dos vidros. Ao se olhar no espelho as vezes seus olhos batiam na mancha. Um lembrete que existia uma ferida, uma esbarrada pra não deixar esquecer que dói quando está do lado de fora.
- Não te quero só pra mim, só quero seu bem, não quero te ver triste pelos cantos...
O desespero na sua voz, o tremor de suas mãos, o suor de sua testa diziam que não estava pronta para a deixar ir, tanto como ela não estava pronta pra partir. Aprenderam a viver juntas, ela sempre a protegeu, as duas brilharam juntas, cada uma sua luz.
Sabia que a luz dela poderia apagar a sua, a luz dela era como o sol, eterna, intensa, queimava, pegava fogo e cegava. Não podia deixa-la machucar ninguém. A sua era forte, mas a bateria acabava de tempos em tempos, as deixava quase que num completo breu as vezes. Salvo por ela, que mesmo em dias nublados refletia uma luz fraca, porém que não se esgotava, não tinha fim. De certa forma, uma iluminava a outra, mas ela sabia que podia brilhar sozinha,e que quando esse dia chegasse, elas nunca mais existiriam juntas novamente.
- Não quero que vá... Mas não posso te impedir de ir...
E sem seu brilho natural, morreria quando ela partisse, sem energia para recarregar sua bateria, sem forças para brilhar, morreria no escuro. E ela sabia disso. Sentia medo por pensar em deixá-la apagar, sua existência se misturando no vazio do escuro, até virar uma coisa só. Até não ser mais nada.