O acidente

- Porra, assim não!

- …

- Vai, defende, defende!

- Isso!

- Merda! Perdi!

- Isso! Isso! Ganhei mais uma!

- Está feliz né?

- Unrum!

- É a primeira vez que você joga?

- Sim.

- Então, está de parabéns. Nunca achei que fosse se acostumar tão rápido.

- Obrigada!

- Vou fazer um lanche pra nós, está certo?

- Sim!

- Maravilha.

Já se passavam das três da madrugada, quando eles decidiram fazer uma pausa para lanchar. A conversa fluía fácil, uma vez que Emílio tinha desistido de falar sobre o acidente. Não achou que fosse conseguir mais informações, além daquelas que presenciou. Contudo, a vida gosta de pregar peças e, do nada, a garota decidiu começar a falar sobre suas habilidades e sobre a noite do incidente.

Pra sua surpresa, falava de forma calma sobre como as suas habilidades se manifestavam depois que voltou de uma festa em família quando foi se encostar em um muro e, sem querer derrubou alguns tijolos. Aquilo a assustou, mas seus pais a acolheram, afirmando não ter sido nada. Entretanto, outros incidentes aconteceram ao passar perto de um mercado e sair de sua escola, provocando rachaduras nas paredes o que passou a assustá-la até a noite anterior, quando foi perseguida por alguns homens maus.

- E foi assim que eu a encontrei, certo?

- Sim.

- Esses homens maus disseram de onde eram?

- Não…

- E só a perseguiram hoje, então?

- Sim, sim.

- Isso é bem estranho. De todo modo, você está a salvo aqui enquanto precisar.

- Obrigada!

Emílio estava reflexivo e, ao mesmo tempo, pensando nas séries de ficção científica que já vira em sua vida para entender em que se encaixava a história de Laura. Seria ela uma mutante? Uma paranormal? Alguém que passou por experimentos científicos quando criança e não sabia? Enfim, eram muitas possibilidades e não sabia em qual acreditar. Só sabia que qualquer uma dessas estaria ótima e não poderia perder o desenrolar daquela história.

Contudo, apesar de toda a euforia que sentia diante da narrativa da garota decidiu dormir. Talvez receoso que a garota parasse de falar, talvez sem saber como interagir com ela depois daquilo. Não tinha certeza, mas precisava sair dali para assimilar aquilo tudo. Além disso, aquele tinha sido um dia pesado, seria bom um descanso. Entretanto, o fez de forma abrupta. A garota não entendeu muito bem, mas não quis reclamar, afinal também precisava relaxar. E assim foi.

Mal o dia raiou, Emílio ouviu seu telefone tocar. Atendeu de ato reflexo, fruto de ainda estar meio grogue de sono, pra saber que a família já tinha sido contatada e ele deveria trazer a garota de volta a delegacia para encontrá-los. Ainda sem entender direito o que se passava, decidiu fazer um café pra acordar e tomar ciência do que ouvia. Enquanto pensava como deveria ser a família daquela criança a dormir nos seus arredores, Emílio suspeitou que devia ter algo além de uma perseguição por “homens maus”, especialmente quando a família acolhe de modo tão “bom” quanto Laura fora acolhida ao demonstrar algo fora do comum. Alguma coisa não batia naquele processo, na história contada por ela. Quiçá não percebera, quiçá estivesse imaginando coisas. Fosse como fosse, Emílio decidiu tomar uma atitude drástica assim que acabou de comer.

Sem fazer tanto alarde, entrou no quarto de Laura, acordando-a para sair. A garota, meio que sem entender o que se passava, assentiu diante da história contada por Emílio de ter recebido uma ligação com ameaças para entregá-la. O medo de repetir todo aquele cenário caótico da noite anterior somado aos calafrios que sentira foi o perfeito gatilho para seguir estrada com um “quase completo estranho” sem pensar muito.

Todo aquele alvoroço dentro do apartamento de Emílio não passava despercebido aos olhares de uma mulher, sentada num bar, observando todo o movimento da janela e, pouco depois, quando um palio azul empoeirado saiu da garagem do prédio. As pessoas do carro batiam com a descrição passada por Jaqueline (um gordo e uma criança) bem como o seu comportamento. Entornou o seu copo de cerveja, enquanto mandava um zap para Jaqueline com a seguinte mensagem: “Eles morderam a isca, estou partindo pra missão”. Em seguida, colocou o capacete e saiu com a moto para segui-los. De sua residência, Jaqueline viu a mensagem e esboçou um leve sorriso, enquanto tomava uma água e olhava para a foto de um casal morto em sua residência. Seriam os pais de Laura?

O Andarilho

Continua...

Rousseau e o Andarilho
Enviado por Rousseau e o Andarilho em 14/01/2022
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