Parasita
Luciana pegou o filho no colo e o levou para a cama.
Essa era a rotina há dois meses.
Sem conseguir andar ou ter forças para mastigar, ele passava o dia inteiro deitado, ingerindo gemadas, vitaminas e coisas sólidas batidas no liquidificador.
- Quê... horas... a médica vem? – resmungou o garoto, como se cada palavra estivesse sendo extraida duma rocha.
- Logo, meu amor. – Luciana acariciou o rosto do filho e tentou sorrir, mas não conseguiu.
Médico nenhum viria. Todos diziam que nada estava errado com Gabriel. E exames não detectavam qualquer doença. Por isso, depois de tanta decepção, ela apelou para a benzedeira do bairro; uma mulher conhecida como Velha Lora. A mãe do garoto não depositava qualquer esperança nisso, mas tinha que saber que tentou de tudo.
Gabriel pediu um pouco d’água e a mulher apanhou a jarra que estava na cabeceira quando uma dor horrível explodiu no seu braço. A pele se rasgou e pegou fogo. A visão turvou e ela sentiu o estomago revirar.
Quando voltou a si, percebeu que estava caída no chão, encolhida e molhada de suor. Luciana olhou o braço e não viu ferida alguma, mas estava quente e dolorido.
- Mamãe... – Gabriel colocou o rosto na borda da cama. – O quê você tem?
- Eu... não sei. – Luciana começou responder, completamente confusa, quando a campainha tocou.
A mulher se levantou com dificuldade e seguiu cambaleando pelo corredor. Era como se estivesse embreagada.
Tentando se recompor, ela abriu a porta e deixou a visita entrar.
- Boa noite, senhorita Lora.
- ‘Senhorita’ não... – a Velha Lora estacou de repente, observando Luciana como se ela fosse uma criatura estranha, e depois de alguns segundos constrangedores, acrescentou. – Me chame de Velha Lora.
Luciana achou que a benzedeira deu uma entonação a palavra ‘Velha’ como se fosse um titulo muito importante. De qualquer forma, concordou e informou o quê se passava com o filho, já que uma vizinha foi quem intermediou o contato e marcou a visita. A Velha Lora manteve uma expressão atenta. E com seus olhos pequenos e nariz bicudo, ela parecia uma ave de rapina pronta para dar o bote.
Sem perder tempo, as duas foram para o quarto onde estava Gabriel e a senhora abriu e fechou a boca do garoto, analisando minuciosamente seus dentes, depois esticou suas pálpebras e cutucou seus ouvidos, pontuando cada ação com um aceno de cabeça como se confirmasse algo para si mesma.
- O quê ele tem? – Luciana perguntou, tentando manter uma voz firme apesar da dor.
A Velha Lora não respondeu. Ao invés disso, pegou um saquinho de ervas de dentro do vestido preto, despejou todo o conteúdo dentro do copo e misturou com água. O liquido ficou verde escuro e começou borbulhar, como se estivesse fervendo.
- Dê ao menino. – ela ordenou.
A mãe olhou da bebida suspeita para a expressão dura da velha, depois para o filho que parecia apavorado, e perguntou:
- Quê tem aí?
- Um chá ‘Fecha-Corpo’.
- Fecha... corpo?
- Vá logo! A coisa já sabe que estou aqui. – a benzedeira se impacientou.
Apesar de não entender o significado daquilo, Luciana estava vulnerável demais para conseguir debater. Ela obedeceu, mas logo se arrependeu. No primeiro gole, Gabriel desmaiou.
- O quê você fez com meu filho? – a mulher gritou, enquanto o chacoalhava feito um boneco de pano.
- Ele tá bem. – a Velha Lora respondeu, pescou um alfinete de seu coque grisalho e colocou um frasco de vidro na mesinha. – Agora me mostre seu braço. Rápido.
A mulher protestou outra vez, acusando a benzedeira de ter matado o menino e, percebendo que não teria outro jeito se não usar a força, a visita segurou o braço de Luciana, passou o dedo no local dolorido e espetou a ponta de metal.
Contrariando qualquer expectativa, a mãe de Gabriel não sentiu o mínimo incomodo. Ao contrario. Conforme a Velha Lora retirava o alfinete, era como se algo de muito ruim deixasse seu corpo. Uma sensação mais psicológica do que fisica. Algo como um alívio. Porém, para seu horror, quando o objeto já estava completamente do lado de fora, uma pequena massa preta e disforme veio presa ao metal, alternando entre um estado gosmento e gasoso.
Agora a benzedeira segurava o alfinete com ambas as mãos, como se tentasse manter o controle da coleira de um cachorro bastante forte, e depois de certo esforço atirou a coisa dentro do frasco de vidro e enfiou uma rolha no gargalo. Enxugando a testa suada, ela antecipou a pergunta que a mulher faria:
- Um vampiro parasita.
- Vam... piro? – Luciana mantinha os olhos grudados no recipiente de vidro que vibrava com a criatura se debatendo.
- É. – respondeu a Velha Lora, se aproximando da mulher com esparadrapos e algodões, e estancando o sangramento do furo em seu braço. – Isso drena a vida dos outros através de um hospedeiro e usa laços afetivos como ‘canudo’. Por isso o menino estava fraco.
Esse papo de vampiro e a coisa que estava no seu corpo tinham contornos de pesadelo, como se num segundo ela fosse despertar... E se deparar com Gabriel na mesma situação. Lembrando do menino, ela correu para perto dele.
- Meu filho ainda não acordou!
- Ele vai ficar bem. E em dois ou três dias já vai conseguir andar.
- Mas... se a coisa tava em mim, porquê ele teve que tomar aquele chá? – Luciana perguntou, agarrada a Gabriel.
- Se o vampiro escapasse, ele procuraria outro hospedeiro e provavelmente seria o menino. O chá não deixaria isso acontecer.
A Velha Lora guardou o parasita no bolso, retirou um punhado de saquinhos de erva, espalhou na mesinha e disse:
- Vou deixar alguns aqui. Uma vez por semana é o suficiente. E não se preocupe, seu filho só desmaiou porquê está muito fraco.
- Isso pode acontecer de novo? – Luciana se alarmou.
- Pode. É o sexto que capturo só nesse mês.