ETERNA, IDA, FUGIDIA IDADE ("Maria Pia Mia Fia”) —I—

ETERNA, IDA, FUGIDIA IDADE ("Maria Pia Mia Fia”) —I—

Era um dia solar, semelhante a tantos outros nesse verão tropical na então tropicalista Praia dos Anjos em Arraial do Cabo. A década de setenta fervilhava nos corações e mentes da geração hippie brasileira. Coisas estranhas aconteciam na realidade mesma e na realidade das mentes que se abriam, objetos voadores não identificados, aos universos paralelos até então desconhecidos por seus familiares. Aqueles que ficavam em casa, não tinham acesso ao céu e ao inferno que a mente aberta a descobertas, proporcionava.

“A mente é como um paraquedas, só funciona quando aberta”. A frase circulava na boca a boca da rapaziada pé na estrada. Ao entardecer os barcos dos pescadores voltavam do mar para abastecer bares, restaurantes, lares e barracas próximas às ondas suaves do grande oceano. Eu e a Mochileira por companheira, havíamos percorrido quilômetros e quilômetros nas areias na paisagem marítima das praias.

Cedo tínhamos saído de Niterói em direção a Maricá, seguimos até Saquarema, dormimos em São Pedro da Aldeia, depois de Cabo Frio, passamos pelo Pontal do Atalaia, chegamos a Arraial do Cabo. Acampar nesses lugares solares era uma jornada nas estrelas. Cada caminhada visava a chegada numa povoação estelar desconhecida, depois de percorrer os universos intermediários entre eles, até a hora de roçar os corpos no chão de lençol da barraca, após ponderar o aprendizado do dia.

Tínhamos conosco a ambição de percorrer os mundos loucos por saber uns dos outros, que se indagavam após se avizinharem em todos os lugares. Amanhã, num roteiro sem planejamento nem cartão de ponto, planejamos ir de barco até a praia Ilha do Farol, onde tartarugas eram vistas se deliciando com os restos de peixes que os pescadores jogavam na água. Na sequência do caminhar tínhamos em mente chegar, nos dias seguintes, a Búzios e Cabo Frio.

Morfeu me reservara um sono profundo e um sonho estranho, após um dia de longas vitais caminhadas. Eu adentro uma barraca alhures na qual uma voz fragorosa, trovejante dizia: “Esta é Maria Pia Mia Fia”. A voz não falou “minha filha”, disse claramente “mia fia”. No eixo central da barraca estava uma adolescente que, ao ser visualizada originou em mim uma intensa percepção de sobressalto, estarrecimento. Algum medo inexplicável, sublime, elevado, magnífico e metafísico. Eu era tão somente expectativa!!!

Por que Maria Pia??? “Maria” é nome de mulher Mãe de Cristo, nome de milhões de mulheres batizadas com essa denominação. “Fia”, a Voz sugeria, uma criação, progênie e procedência dela, Voz: “Mia Fia”. A face e o olhar dela transcendiam uma intensa hostilidade inominável. Era uma moça que acalentava em seu interior, em seu coração e mente, conhecimentos indizíveis. Ao mesmo tempo uma soberana vontade de se libertar deles. Sua aparência denunciava também uma criança em desespero supremo, extremo. Ela não podia sair da prisão dela própria, de seu corpo. De sua constituição física, de seu âmago, de uma essência que a subjugava totalmente.

Ela existia sim, estava ali, em minha frente, mas jamais poderia libertar-se das finalidades transcendentais para as quais fora planejada, projetada minuciosamente e criada para procriar a espécie dita humana, em sabe-se Deus em quantos orbes por esse infinito universo mundo adentro, mundo afora. Ela era Matrix de muitos mundos, mas parecia querer livrar-se disso, dessa responsabilidade.

Sua existência sugeria algo extremamente mórbido, dantesco, cruel, perverso, infernal. Ela não poderia, sob nenhum aspecto ou argumento próprio, ter e usufruir da liberdade de ser outra coisa que não ela mesma. Jamais poderia mudar-se e ter acesso à livre escolha. Projetada para não evoluir ou adquirir uma percepção de si mesma e do mundo ao redor, mais que a limitação para a qual estava criada poderia permitir.

Estava ela circunscrita, restringida, limitada por algum chip neural perceptivo, parte estrutural de sua construção física. Não sei se um ser como ela poderia ter noção de moralidade. Já que era a Matrix de todos os mundos da moral e da imoralidade, dos liberais e conservadores. Mãe dos princípios certos e errados e de todas as religiões e raças de aparência e essência, ditas humanas.

A hostilidade monumental da garota não poderia fazê-la emergir dela mesma e crescer um tanto a mais do que estava programada por Aquele Ser, Aquela Voz. Não poderia desenvolver um intelecto diverso, nem tampouco dotar seu espírito, sua alma, de algo mais para o qual não estava planificada. Isto explicava a imensidão de sua face e alma torturada por uma antiguidade impressionante e ao mesmo tempo por uma juventude recém-nascida.

A violência e a hostilização que dela emanava do olhar, de seus cabelos longos e muito brancos que desciam ao redor do corpo era algo ofensivo, como se quisesse destruir a tudo e a todos que a cercavam. Ela sabia manifestamente que não poderia ser mais nada da coisa que era e para a qual estava aparelhada, projetada. Mas ela não poderia destruir-se já que era o arquétipo Mãe de toda a Criação. Era isto que transmitia a Voz que dizia:

— “Essa é Maria Pia mia fia”. Como se a garota tivesse sido criada por ela, Voz, para ser a Mãe de todas as mães, o sentimento básico de todos os sentimentos, a emoção primeira de todas as emoções. A inteligência limitada por comandos internos que não permitiriam que se desenvolvesse além das fronteiras do mundo para o qual fora criada. Ela era inteligente até certo ponto, e não poderia gerar seres que fossem eficientes, talentosos e capazes, senão até certo ponto.

Ela, essa menina, essa garota, essa donzela, essa amásia, mãe e filha Crida por uma cultura distante, inacessível, inominável, abominava sua condição existencial mumificada. No entanto era ela alimentada pela energia de ser Matrix da espécie humana em diversos sistemas solares. A garota, quase criança, era o que se poderia nominar de sobrenatural.

Essa mulher não poderia fazer-se crescer mais nem desenvolver um intelecto e ampliar as percepções externas de sua alma, porque seu DNA de há milênios não a permitiria ir mais longe, ainda que ela percebesse que (se não tivesse sido programada para ser uma criatura criada pela Voz, Aquela Entidade da Fala ouvida por mim ao adentrar a barraca) ter sido programada para não reivindicar liberdade para além da qual estava codificada. A adolescente permanecia definitivamente encarcerada nela mesma. Em seus desdobramentos genéticos, em sua descendência.

A garota de olhos grandes, aquela adolescente com certeza tinha alguns milhares, talvez milhões, bilhões de nomes. Os significados de todos eles por certo seriam os mesmos, ainda que em várias linguagens deste e de outros mundos, pudessem ser diferentemente interpretados. Todos os diversos nomes e pronúncias deles, não seriam nada mais do que simulação daquele corpo, daqueles sentimentos e emoções, arquétipos de sua real idade.

Ela era a Matrix de um sistema cuja coerência e finalidade intencional estava sob a dominação de uma coerência criativa aos propósitos de outra civilização alhures, em outra galáxia, que não poderia acessar sequer em pensamentos. Ela era a Mãe natural e ao mesmo tempo artificial de hominídeos nessa Terra, criada para povoar outros sistemas solares alhures, em vias lácteas muito mais recentes. Ela era um ser holístico. Num universo repetitivo e místico. A produzir energia autodestrutiva.

DECIO GOODNEWS
Enviado por DECIO GOODNEWS em 28/11/2021
Reeditado em 30/11/2021
Código do texto: T7395292
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