Sumiço
Jonathan era um pequeno menino de cinco anos, tão pobrezinho e mirrado que parecia ter, quando muito, quatro. Ele morava no Centro de Porto Alegre. Sim, no Centro. Depois que a mãe morreu na Santa Casa de Misericórdia e foi enterrada como indigente, Jonathan ficou absolutamente sozinho. Era conhecido pela turba de meninos desgarrados e pelos escroques das ruas como “Sumiço”. Ele estava ali, no meio deles, e de repente... “sumiço”. Jonathan aprendera que a arte da sobrevivência nas ruas era a arte de evadir-se, de sumir. Fugia de todas as coisas ruins: da “pedra”, que na sua inocência já sabia ser uma coisa do diabo; das tentativas de ser molestado pelos meninos mais velhos e pelos homens decrépitos e sórdidos. Conservava seu coração puro e imaculado. Lembrava só de algumas frases da oração à Nossa Senhora que a mãe havia lhe ensinado, mas fazia força para recitá-las, a cada noite: “Ave Maria... Senhor Convosco... Jesus”. Gostava quando o carro do albergue passava, era o primeiro a apresentar-se: banho, sopa quentinha e uma cama como a que tinha na casa da mamãe. Naquela noite, porém, o carro do albergue não passou. Procurou um canto para dormir, longe dos homens maus, escondido pelos jornais e cartões que o aqueciam. Dormiu enfim seu sono de inocência, com seu teto de estrelas. Foi quando eles chegaram, nas altas da madrugada. Num carro esporte, cinco playboys da Zona Sul tiraram do porta-malas um galão de gasolina e despejaram sob os andrajos que cobriam totalmente o menino. Disputaram ainda quem riscaria o fósforo. Em pouco tempo aquilo tudo ardia, e as gargalhadas dos rapazes ainda ecoavam quando arrancaram o carro dali. Não ouviram os gritos e a agonia do pequeno. A cocaína em suas mentes estava-os deixando muito excitados para isso. Então, com uma fúria incontida, caiu o temporal. Há décadas Porto Alegre não via um volume de água daquela forma, tão intenso. Na metade do caminho para suas casas, os assassinos atolaram o carro e presenciaram, impotentes, a água tomando conta de tudo, enchendo seus pulmões e espantando o ar que, afinal, eles não mereciam respirar. “Sumiço” agora estava em outro lugar, um jardim lindo, onde foi recebido pelo abraço de sua mãe. E lembrou-se do último verso daquela oração: “agora, e na hora de nossa morte, amém...”.