Contos do inconsciente. N°4 (O último quadro de Van Gogh)

Greg e sua namorada haviam descido da motocicleta, fato este que não foi suficiente para que o veículo parasse de funcionar; mas não apenas isso; o meio de transporte que os levara até ali, como que tendo vida própria, continuou o trajeto sozinho, seguindo em direção ao horizonte, onde o sol banhava todo o cenário com uma luz intensa, fazendo com que o ambiente estivesse colorido com uma cor predominantemente dourada, como se cada feixe de luz tocasse e desse vida para cada figura que ali se encontrava. Por um instante, parecia que se encontrava dentro do Campo de Trigo com Corvos, de Van Gogh. Passou pela cabeça de Greg que talvez o astro rei estivesse agindo como uma espécie de centro energético, onde tudo compelia em sua direção, constatação esta que chegou não só pelo movimento da motocicleta, mas também por sentir uma força invisível que parecia lhe dizer que lá no fim da paisagem estava o centro de tudo, o umbigo onírico de toda aquela cena fantástica.

Não restava mais nada a fazer a não ser segui-la; e foi isso que os dois fizeram. Seguiram pelo descampado afora e a cerca de uns cem metros adiante perceberam que a motocicleta estava presa em uma divisória de madeira que separava todo o terreno na frente deles. A motocicleta ainda estava ligada, realmente parecendo muito a um ser animado lutando com todas as suas forças para transpassar a proteção feita de compensado. Greg e sua namorada aproximaram-se da cena e notaram que a moto parara de funcionar. Sem hesitar, Greg a puxou para trás e avistou por entre o vão da cerca alguns homens sentados conversando enquanto alguns outros se encontravam em pé um pouco mais adiante. Esta visão causou certa curiosidade em ambos os espectadores. Próximo aos dois, à direita, havia uma árvore, e a companheira de Greg disse que talvez seria uma boa ideia subirem-na para poderem observar melhor o que se passava do outro lado. Após escalarem a árvore e já estarem acomodados em um dos galhos, olharam para baixo e viram que no lugar da motocicleta estava agora um reboque para carro com duas armas dentro, uma de baixo e outra de alto calibre, esta última parecendo ser uma espingarda ou até mesmo um fuzil. Antes mesmo de pronunciarem qualquer palavra em relação a este fato, surgiu por entre a fresta da cerca um homem branco, alto e forte, e pegando a maior das duas armas, apontou para o casal, dizendo:

- Mãos ao alto vocês dois aí ou eu atiro em qualquer movimento em falso.

Greg pareceu não dar a mínima importância para a advertência do capataz do lugar, ficando desconhecido até para o narrador que vos fala se o não cumprimento à ordem por parte de Greg era por motivo de coragem, teimosia, ou por uma assimilação de que toda aquela cena poderia não estar acontecendo no universo de vigília.

Greg acabou fazendo um movimento brusco com os braços, e no mesmo instante, sem titubear, o homem de aparência e gestos rudes meteu uma bala bem no meio da testa de Greg, fazendo com que toda aquela beleza de lugar se transformasse em escuridão total.

Erraram os que pensaram que o centro de gravidade do sonho era o sol com todo o seu esplendor. O umbigo do sonho era na verdade um sentimento funesto, aquele mesmo sentimento que fez Van Gogh tirar a própria vida no meio do campo de trigo.

Igor Grillo
Enviado por Igor Grillo em 15/10/2021
Reeditado em 28/08/2023
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