Despertar
Adentrando em sua residência, Emílio pôde, enfim, suspirar aliviado. Achava que era questão de tempo até aparecer algum familiar e vir pegar a menina, o que o deixaria novamente como dono do seu recanto e da sua paz. Justamente por isso, pensou que poderia tirar proveito do tempo que ainda restara para compreender quais as habilidades que aquela menina possuía, afinal não é qualquer um que solta "ondas" com as mãos capazes de matar. Era uma menina que gerava fascínio e medo. Talvez por isso, tenha insistido tanto em ficar com ela.
Todavia, Emílio não era um cara acostumado a ter uma "convivência social". Adepto do home office, estava mais íntimo das telas de computador e dos personagens de seriado do que dos próprios vizinhos. Os poucos amigos que tinha não saberiam dizer como reagiria em uma situação como essa. Pior, diriam que seria mais fácil um elefante voar do que Emílio se comunicar.
Apesar de tudo isso, Emílio estava decidido a ir contra as probabilidades. De forma bastante apressada, arrumou espaço em um dos quartos que tinha para que a menina tivesse uma cama para dormir. Não era o melhor dos mundos, mas pelo menos era melhor que estar na rua, ao relento. Ao mesmo tempo, olhava para Laura, tentando ver se ela falava algo ou, pelo menos, expressava um pouco do que estava sentindo, o que ajudaria a abertura do diálogo e a busca pela compreensão dos poderes dela.
A garota ainda se sentia desconfiada, olhando pra tudo aquilo. A "aparente segurança" não era uma garantia de que podia confiar naquele homem, que só se aproximou dela pela curiosidade em ver o que acontecia. No fundo, não era uma ajuda genuína, mas sim uma curiosidade para entender o que eram aquelas "habilidades" que ela tinha. Tudo aquilo parecia demais para a sua cabeça. Por isso, permanecia em silêncio, emergida em suas emoções.
Enquanto isso, Emílio improvisava uma janta para os dois, aproveitando aquela pizza congelada que estava perdida pela geladeira. Não era a comida que serviria normalmente para uma visita, mas quando isso aconteceria com ele? Somente quando pedia comida ou suprimentos, ou quando chamava uma acompanhante (Ludmila que o diga). Toda essa rotina sozinho o tornava inábil para conversar, mas precisava tentar.
- Então... Laura não é? Está boa a comida?
- ...
- Err, se você quiser tem refrigerante também, tá?
- Tá certo...
- Então, você pode me dizer quem eram aqueles homens atrás de você?
Nesse momento, os olhares da menina ficaram assustados, tornando-se preocupado com o que poderia vir dali, a depender do que dissesse para aquele homem. Ainda não tinha certeza se poderia confiar nele, então preferiu dar uma genérica.
- Eu não sei... Eles começaram a ir atrás de mim, do nada.
- Do nada? Sério mesmo?
- Foi...
- Eles não queriam nada de você então? Só queriam te perturbar?
- É que...
- É...
- Desculpa moço, mas eu posso só descansar?
- Claro, claro, você deve estar cansada, pode ir para aquele quarto ali. Tem um banheiro na frente dele, caso você queira tomar banho.
- Tá, obrigadinha.
Emílio deu um sorriso meio desgosto, pois queria alimentar a sua curiosidade acerca daqueles eventos e da sua nova "hóspede". Contudo, não podia se lamentar tanto, uma vez que a menina ainda estava assustada, pois levaria um tempo até que ela se acostumasse com a sua presença e com aquele novo local de moradia. O jeito era tentar adaptar a sua rotina à nova moradora, embora não tivesse muita noção de como faria isso...
Bem, como estava meio decepcionado por ter falhado em suas investigações, ele decidiu afogar as mágoas do jeito que sabia: jogando Mortal Kombat online. Era um jeito de ter algum diálogo e ao mesmo se distrair de um dia cheio como fora aquele. Aproveitou que a menina fora dormir e ligou a televisão e o videogame na sala, com volume baixo para que Laura pudesse, enfim, descansar.
Todavia, ele não se conhecia tão bem e mal começou a jogar, empolgou-se e começar a gritar de forma desapercebida. Nessa barulheira, a menina levantou para ver o que acontecia. Quando mirou a tela, sua expressão mudou em um olhar de curiosidade e interesse, que, até aquele momento, inexistia. Não tardou e sentou, com as pernas cruzadas, admirando o jogo e a tela. Ficou maravilhada com todas aquelas imagens e movimentos que via.
Entretido naquele universo, Emílio demorou a perceber que a garota olhava apaixonada para a tela do jogo. Sem pensar muito, pausou o jogo e perguntou se ela queria jogar. A princípio, ela ficou atônita sem saber o que dizer. Entretanto, não tardou muito e começou a jogar com ele, em um modo off-line do jogo. Aos poucos, a garota começava a falar e conversar, deixando o ambiente mais leve e abrindo à possibilidade para que Emílio, enfim, pudesse saciar suas curiosidades sobre aquela menina fascinante que se encontrava em sua casa. Seria o início de uma bela amizade?
Continua...
O andarilho