O ENIGMA DA GOIABEIRA
O ENIGMA DA GOIABEIRA
Tínhamos pouco tempo de casados e sonhávamos ir morar na nossa própria casa. A grana não era muita, porém continuar na casa dos meus pais não fazia muito sentido, visto que estávamos aumentando a família e, dessa forma, o ideal seria ter o nosso lar. Assim, quando chegou o final de semana, cada um de nós foi para um lado da cidade à procura de uma casa que estivesse adequada à nossa condição financeira e também que fosse condizente ao sonho de um lugar tranquilo e com bastante espaço para as brincadeiras de nossos filhos, quando eles chegassem.
Como se fosse guiada pelo destino, escolhi um endereço de uma residência que eu havia visto em um anúncio naquela manhã. Na primeira tentativa já me deparei com uma casa, que tinha uma fachada fascinante, como em estilo barroco, era cor de rosa e parecia um castelinho.
Ficava num bairro bem afastado do centro da cidade e tinha um quintal enorme. Eram tantas plantas ali, num espaço de 30 metros de frente por 150 metros de fundo, que parecia uma floresta, e era, aos meus olhos. Havia cogumelos pelo pé de todo o muro que cercava o terreno e, por conta da quantidade exagerada de plantas, o sol não adentrava o suficiente na residência para arejá-la.
Abrindo as portas e janelas foi possível ver que teríamos um quintal muito grande e que muitas coisas poderíamos fazer ali. Comentei com o meu marido que seria preciso fazer uma limpeza e que com uma boa poda nas árvores, iríamos receber mais luz solar e usufruir de um espaço aprazível, como nos nossos sonhos, para as crianças brincarem quando estivessem por lá.
Observamos que aquelas árvores estavam carregadas de frutos, mas uma, em especial, me chamou a atenção, aquela goiabeira! Que nem era tão grande, mas tinha uma copa tão bonita que se destacava das demais plantas. Suas frutas eram de admirável tamanho e pareciam ser bastante suculentas.
Fiquei admirada, porém, ao ver que naquele arvoredo uma revoada de pássaros devorava os frutos, enquanto que na goiabeira não pousou nenhum. Ela ficava numa posição estratégica no quintal. Embaixo dela, uma mesinha com duas cadeiras inspirava e fazia a diferença naquele lugar. Lembro-me bem, de ter ficado pensativa, porque nelas não tinha nenhuma poeira e pareciam bem novinhas, contrastando com o resto da mobília de toda a casa, pois apesar de estar coberta com lençóis e muito bem-disposta na arrumação, a casa não cheirava bem pela quantidade de teia de aranha, morcegos amontoados e, inclusive outros insetos que faziam a festa ali, evidenciando ser uma casa abandonada. Talvez por isso, aquele preço imbatível, nos enchia os olhos.
Mesmo com o estado da casa, meu marido concordou comigo que após um “trato”, aquele espaço seria ideal para nós e de imediato fechamos o negócio.
Fizemos nossa mudança num período de três semanas para aquele ambiente. Lá, estávamos muito felizes e até fazendo planos para a compra de outros móveis, além da mobília do quartinho dos nossos bebês. Esperávamos gêmeos. A felicidade era imensa, não imaginávamos o que nos aguardava pela frente.
Após uma semana, naquele dia meu esposo saiu para o trabalho e eu resolvi ficar em casa, sozinha, pois estava enjoada e também queria dar brilho numas peças da cozinha.
De repente, ouvi uma voz que chamava pelo meu nome e que vinha do quintal. Aliás, daquela floresta, pois tínhamos nos ocupado tanto com a casa, em si, que ainda não tínhamos cuidado dessa parte.
Fui lá ver, mas não avistei pessoa nenhuma. Aquela voz continuou me chamando pelos dois dias seguintes e eu não quis ‘encará-la’, escutar melhor. Acreditava ser uma brincadeira de mau-gosto, do tipo vizinho desocupado.
Por quatro dias seguidos, aquela voz insistia em me chamar. Tomei atitude e resolvi enfrentá-la. Fui ao quintal e observei que a voz não vinha de longe, era dali, do pé de goiaba. Pude, então, ver uma mulher magra e bonita, a qual aparentava ter uns vinte anos, de longos cabelos loiros adornados por uma tiara de flores e pedrinhas brilhantes. Vestia um belo vestido de renda branca e acenava insistentemente para mim, com gestos que pediam a minha aproximação, deixando-me paralisada.
Sem saber o que dizer, fazer e, nem quanto tempo fiquei ali, abaixei a cabeça e sem respondê-la, retornei pensativa para o meu quarto. Nunca tive medo de alma ou coisa parecida. Sempre fui uma mulher de fé e corajosa. Aquela casa representava tanto para mim, que até aquele assombro eu queria “tirar de letra”.
Quando o meu esposo chegou do trabalho à noitinha, relatei-lhe o ocorrido. Não demonstrei o meu temor, no entanto, e talvez por isso, ele duvidou e ainda fez zombaria do fato, contando para sua família no dia seguinte. Chegou a dizer que eu estava depressiva ou com algum distúrbio, precisando da ajuda de um psiquiatra.
No dia posterior, apesar do medo e da insegurança, quando fui novamente chamada por ela, enfrentei e, de ímpeto a questionei sobre a sua insistência e necessidade de minha aproximação.
Em tom ríspido, ela retrucou que não me aceitava naquela casa; sugeriu que eu deveria ir embora dali com a máxima urgência. Disse, ainda, que não admitia nenhuma mulher morando na “casa dela” que fosse recém-casada e feliz no casamento, pois não suportava ver alguém vivendo a vida que era para ela ter vivido. Completou, em tom de ameaça, que iria me levar à loucura e ao suicídio, como aconteceu com ela.
Na manhã seguinte insisti para o meu marido não ir trabalhar e ficar para testemunhar o fato. Ele relutou, mas, diante da minha insistência, e evidências dos acontecidos, ele acabou ficando.
Logo ao raiar do sol e para o desespero dele, a moça apareceu e, da mesma forma que falava comigo antes, agora acenava e me chamava para perto dela, na frente dele. Diante da constatação, ele saiu dali em pânico e, juntos, fomos à vizinhança buscar ajuda para entendermos aquele episódio.
Logo fomos tomados de surpresa pela fala de uma vizinha. A mesma nos relatou que naquela casa nenhuma moradora se fixou por muito tempo, isso após a trágica morte da antiga moradora, que se enforcou no pé de goiaba poucos dias após o seu casamento.
Não esperamos os próximos episódios. Arrumamos as coisas e partimos dali ao nascer do novo dia.
Colocamos a casa à venda e depois de algum tempo conseguimos vendê-la para um senhor viúvo, que não gostava de plantas e sim de animais, como os muitos cachorros e gatos que criava. Sua primeira providência quando chegou foi derrubar a floresta, e principalmente a tal da goiabeira. Ele queria espaço para seus bichinhos. E, tempos depois eu ouvi de um conhecido que morava lá perto, que o senhor viúvo mora até hoje naquela casa.