Processos
Apesar de ficar altamente sem jeito para lidar com uma criança em prantos na calada da madrugada, Emílio conseguiu ligar para a polícia para que viessem acolher a menor. Não sabia dizer se estava tomando a melhor ação. Só sabia que não aturaria aquele “problema” sozinho. Era melhor que chamasse quem já estava acostumado a lidar com essas situações, fazendo bastante sentido ligar para a polícia, afinal estão acostumados a lidar com esses problemas.
Todavia, como a menina seguia chorando muito, Emílio decidiu acompanhá-la rumo a delegacia para ver se se acalmava. Também porque poderiam acusá-lo de ter participação nos eventos daquele beco. Era um jeito de limpar a sua barra e manter-se informado sobre o que presenciou naquele ambiente escuro. Do jeito que via era uma relação de ganha-ganha, sem riscos de sair prejudicado. Então, foi tranquilo na van com os policiais.
Entretanto, não foi bem assim que a banda tocou. Assim que chegou a delegacia, Emílio foi tirado de lado para ser interrogado. Em parte, era sua culpa também, afinal quem diabos entra num ambiente policial munido de um martelo e um revólver e não espera ser interrogado? Seria como solicitar a uma pessoa obesa, com fome, que não pedisse um hamburguer especial depois do MacDonald’s. Simplesmente, não existe. Apesar de um tanto quanto surpreso com tudo aquilo, ele preferiu acatar as ordens, pois, mesmo que estivesse “armado”, ali se sentia tão indefeso quanto a menina que levou até aquele ambiente. E como sua mãe costumava dizer: Manda quem pode, obedece quem tem juízo. E assim, foi.
Chegando até a sala, Emílio abriu a porta e viu uma mesa e duas cadeiras. A policial que o acompanhava pediu para se sentar e aguardar, enquanto convocava o detetive para interrogá-lo. Ele assentiu e fez como foi solicitado. Assim como num game, começou a imaginar quais as próximas ações a serem tomadas daquele momento em diante. Contudo, ao contrário dos games, aquilo não era nada divertido. E, em breve, descobriria como aquilo pode sempre piorar.
- Boa tarde.
- Boa tarde.
- Eu sou a inspetora Jaqueline González e estou fazendo o seu inquérito hoje.
- Ah, certo.
- Nome e idade?
- Emílio Rivas. Tenho 30 anos.
- O senhor é casado?
- Solteiro.
- Mora sozinho?
- Sim, faz 3 anos.
- Certo, certo. E o que você faz?
- Sou analista de sistemas. Trabalho pra empresa Calabouço.
- Bom, muito bom. Então, diga-me senhor Emílio, o que você estava fazendo no momento do incidente com a jovem Laura?
- Eu estava revisando alguns vídeos das câmeras de segurança da empresa.
- E você tem como provar isso?
- Sim. Toda vez que eu faço login no site, registra a hora e o local de acordo com o IP da máquina que estou utilizando. Você pode ligar para meu chefe que ele poderá te confirmar isso.
- Certo, pelo que posso observar você não teve parte no assalto feito à garota.
- Não, mesmo.
- E ainda assim, você desceu munido de um martelo e um revólver.
- Dona, a arma era de brinquedo.
- Ainda assim, por que desceu armado?
- Olhe bem pra mim, dona. Só olhe.
- Não estou entendendo.
- Dona, eu sou gordo, sedentário e fora de forma. Se eu não descer armado com alguma coisa que fosse, como poderia ser capaz de proteger alguém?
- E você tinha a pretensão de proteger alguém que nem conhece? Mesmo sem a ter a menor formação pra isso?
Nesse momento, Emílio titubeou por alguns segundos, afinal não tinha a menor intenção em protegê-la. No entanto, não poderia dizer que foi olhar de “curioso” porque o seu dia estava entediante, uma vez que estava diante de uma inspetora nem um pouco disposta a brincadeiras. Das duas uma: dizer a verdade ou inventar uma mentira muito convincente a ponto de liberá-lo daquele lugar rumo a sua casa.
Fez a escolha pela segunda opção. Inventou que uma amiga havia perdido a filha no último ano por causa de um assalto na calada da noite em um meio de semana, justamente porque ninguém se ofereceu para ajudar ou dar apoio à menina. E a lembrança daquilo o motivou a agir, mesmo que de maneira torta, para evitar um destino parecido. Uma daquelas mentiras óbvias que pouca gente cairia.
Felizmente, esse foi o caso da detetive. Talvez pelo porte e pelos trejeitos de Emílio, não observou a mentira que contara. Acabou o ouvindo mais um pouco para terminar a sua ficha e depois o liberou. Porém, quando Emílio perguntou se podia acolher a garota consigo, pelo menos até localizarem seus familiares, aquilo capturou a sua atenção. Por que motivo a levaria junto com ele? Amizade? Cuidado? Curiosidade? Será que omitira alguma coisa em seu depoimento?
Com essas interrogações na cabeça, Jaqueline decidiu liberar Emílio e Laura para irem juntos pra sua casa até que conseguisse contatar algum familiar da garota, algo que não costuma demorar. Assim que os dois saíram da delegacia, seu assistente falou que conseguiu localizar a família, passando o contato para Jaqueline ligar pra ele. Para sua surpresa, ela disse que aguardasse para ligar amanhã e solicitou a algum policial que fosse observar os dois que acabaram de sair da delegacia. Seu faro lhe dizia que havia algo suspeito ali. Será que teria razão?
Continua...
O andarilho