No limite do caos

Nas vielas escuras, no calar da noite, ao fundo da rua ouviam-se passadas rápidas e largas num misto de desespero e angústia. Já se passavam das dez da noite. A maioria das pessoas dormia depois de um dia longo de trabalho, afinal não eram máquinas e tinham que chegar cedo às suas rotinas, posto que aquela era uma noite de quarta-feira, meio de semana. Pouca gente pararia para notar aquela movimentação até para evitar cair em confusão. Entretanto, sempre tem algum curioso de plantão.

Esse era o caso de Emílio Rivas, programador da empresa de segurança Calabouço, em regime de home-office há 5 anos. Seu trabalho o permitia elaborar a sua rotina, desde a hora de acordar até o momento de dormir, o que gerava um conforto e, consequentemente, uma acomodação. Apesar de ter a organização de seus afazeres na palma de sua mão, Emílio tornou-se um relaxado para os cuidados consigo mesmo. Nunca foi um atleta, mas desde que ficou 100% do tempo em casa, parou até de caminhar. Tudo era pedido pelo aplicativo, o que justificava a sua dificuldade em lembrar qual foi a última vez que pisou fora de casa. Não à toa havia ganhado uns quilos extras. Apesar dos apelos de sua mãe, não fazia muito esforço para mudar. Era cômodo ser assim.

Justamente por isso, costumava se entreter com os barulhos que vinham de fora. E, aquela noite era um prato cheio para isso. Ao ouvir aqueles sons repentinos e agudos, Emílio se esgueirou na janela para ver o que estava acontecendo. Quando olhou, notou algumas sombras que corriam até que uma delas caiu e foi se encolhendo pro canto do muro, tentando se esconder de algum jeito. Tentou gritar para chamar a atenção deles, mas ninguém o ouvia. Depois de algumas tentativas sem sucesso, decidiu descer para ver se poderia ajudar. Munido de um martelo e um revólver (de brinquedo) saiu de seu apartamento sem pensar muito no que faria ou diria. Apenas, foi.

Quando chegou no térreo, dirigiu-se, apressadamente, até a frente do prédio. Nesse momento, escutou alguns gritos vindos do bueiro. Pequenos passos, um após o outro. Uma caminhada de 10 metros até começar a ver vultos. Ou melhor, somente um vulto que chorava de forma quase inaudível. Era uma adolescente que soluçava copiosamente, enquanto olhava para os corpos caídos na sua frente. Foi quando Emílio decidiu se aproximar para entender o que estava acontecendo ali.

A jovem não viu a sua aproximação, o que facilitou a sua observação do contexto e compreender o que havia se passado ali. Ao ficar próximo à menina, Emílio ficou em choque como há muito tempo não ficava. Seus olhos arregalaram, ficou desequilibrado e quase caiu pra trás. A cena que testemunhara parecia uma daquelas saídas de filmes ou séries, dotadas de um realismo extremo e chocante. Todavia, ao contrário das telas em que tudo é parte de um enredo ficcional, aquilo era a vida real, angustiante e crua em todos os seus sentidos. Algo que ia tirando o seu fôlego.

Todavia, não podia mais perder tempo impressionado com o “espetáculo” que os seus olhos viam. Precisava agir, talvez conversar com a jovem acuada no canto e entender o que raios havia se passado ali. Ela era vítima de tudo aquilo? Era culpada? O que a levou a vir tão longe e, agora estar acuada em prantos, enquanto três homens estavam caídos mortos com buracos nas barrigas maiores que uma mão?

Tudo isso era um mistério sem solução e digno de uma HQ ou de um filme do Tarantino. Aquele não era um campo comum para Emílio, acostumado as letras frias e abstratas dos códigos da programação e aos mundos fantásticos dos jogos virtuais. Ali era a vida real, algo que já não conhecia tão bem. Então, decidiu perguntar, mesmo que de maneira atrapalhada.

- Ei, ei moça!

Choros seguem.

- Ei! Ô menina! Sabe dizer o que aconteceu aqui?

Choros seguem.

- Eita miséria! Tô falando com você - disse enquanto se aproximava.

- Não chegue perto! É perigoso!

- Ah, então sabe falar? Diz o que aconteceu aqui.

- Vá embora, por favor! - responde, entre choros.

Persistente, como sempre costuma ser nos jogos on-line, Emílio continuou a perguntar para a menina, ainda muito assustada e chorosa. Sem levar em consideração os seus avisos, continuou a se aproximar. A menina seguia fazendo gestos para que se afastasse, o que Emílio continuava a ignorar. Quando estava a poucos passos de distância, a menina fez um gesto de empurrar com as duas mãos pra frente na direção dele. Nesse momento, ele escorregou e caiu de costas no chão, deixando a menina atônita com a cena. Ao se levantar, Emílio olhou para a parede as suas costas e percebeu que alguns tijolos haviam caído da parede, no local próximo de onde estavam os corpos dos homens mortos. Por um momento, ficou sem entender como aquilo havia acontecido. Então, perguntou:

- Garota, foi você quem fez isso?

- Viu? Eu sou um monstro, vai embora!

- Calma, calma, mais uma vez, diz o que aconteceu que eu prometo procurar ajuda pra ti.

- Você não está com medo?

- Tá brincando? Essa é a melhor história que me aconteceu em toda a minha vida!

Parecendo surpresa e enxugando as lágrimas, a garota pareceu um pouco mais aliviada.

- Posso confiar no senhor?

- Você tem a minha palavra, garota.

- Tá, brigada.

- Então, vamos lá, meu nome é Emílio. E você como se chama?

- Laura, Laura Muniz.

- Então, diga-me Laura, o que aconteceu aqui?

- Eu…eu… estava presa há 3 dias por esses homens até que consegui escapar.

- E o que eles queriam?

- Eu não sei, mas me batiam muito!

- Certo, certo e como isso aconteceu?

- Eu não sei! Laura volta a chorar copiosamente.

Emílio buscaria ajuda?

Continua...

O Andarilho

Rousseau e o Andarilho
Enviado por Rousseau e o Andarilho em 25/08/2021
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