A INICIAÇÃO DE NESEB

Hoje faz vinte e um anos que Neseb foi iniciado na Ordem Herdeiros de Trismegisto. Uma lembrança de um dia muito especial, inesquecível para ele. Neseb foi além de discípulo, o pupilo do Mestre Nilrem, um dos maiores sábios das Artes Alquímico-Herméticas. O velho Nilrem sempre foi muito respeitado na cidade. Era conhecido como O Mago Ancião, possuía o valioso conhecimento da natureza, das ciências, dos homens e dos augustos mistérios. Dizem que o velho Nilrem viveu durante centenas de anos e foi um dos principais mestres da antiga Ordem Hermética do Áureo Alvorecer.

Quando ainda jovem Nilrem foi um dos discípulos do próprio Hermes Trismegisto, o “Três Vezes Grande”. Após a morte de Hermes, Nilrem se isolou durante alguns anos, focado única e exclusivamente aos seus estudos, pesquisas e experiências alquímicas. Certa noite, após beber muito hidromel, adormeceu e teve um sonho revelador com o seu Mestre e Mentor Hermes Trismegisto. No sonho, o “Três Vezes Grande” lhe pedia que edificasse a Escola Hermética-Alquimista. Pouco tempo depois, Nilrem fundou a Ordem Herdeiros de Trismegisto na cidade e passou a transmitir os ensinamentos secretos aos escolhidos.

Um dia, quando Nilrem estava caminhando pelas ruas da cidade, foi abordado por um jovem rapaz muito bem vestido e educado. Era Neseb, perguntando se ele era Nilrem, o Mago Ancião. Nilrem respondeu que sim. Neseb disse que gostaria de ingressar na Ordem Herdeiros de Trismegisto, pois desde criança se interessava pelos estudos mágicos. Nilrem gostou de Neseb, e depois de conversarem um pouco, disse ao rapaz que o encontrasse em sua casa no dia seguinte. Neseb concordou com um sorriso de felicidade. O primeiro passo tinha sido dado e ele era agora um Postulante.

Nas Ordens Iniciáticas, quase sempre, a pessoa precisa passar por algumas etapas antes da Iniciação propriamente dita. É o começo antes do começo. Primeiro o indivíduo é considerado um Postulante, ou seja, um candidato que solicitou o ingresso na Ordem. Um mestre ou uma comissão de mestres avalia o Postulante (candidato), através de uma espécie de “entrevista”; e aí, ele é submetido ao chamado Escrutínio Secreto. Se aprovado nessa etapa, o Postulante seguirá para próxima fase do processo e passará a ser chamado de Recipiendário, onde é preparado para o dia em que vai ser iniciado. Após a sua Iniciação, o Recipiendário é considerado um Neófito (um principiante). A partir daí, começa a verdadeira caminhada de um Iniciado na Senda dos Mistérios.

Neseb foi até a casa de Nilrem, que ficava próxima de um oásis no pé da montanha, longe da cidade. Ele estava ansioso. Há muito tempo esperava por essa oportunidade. Ao chegar lá, encontrou Nilrem que o convidou a entrar e o conduziu até a sua Sala de Estudos, uma espécie de laboratório alquímico onde costumava fazer suas pesquisas e experiências. Neseb ficou maravilhado com o que via ali. Havia garrafas com substâncias estranhas e coloridas, animais empalhados e ervas de todos os tipos, ferramentas e armas medievais, centenas de livros, tochas e velas, um enorme caldeirão e um recipiente metálico no centro da sala onde queimava uma pequena fogueira de chama esverdeada (o Fogo Astral). Além de tudo isso, no local havia também um Oratório e todo o recinto era decorado com lindos cristais e até crânios humanos. Neseb estava fascinado.

Nilrem e Neseb conversaram durante horas. O Mago Ancião fez inúmeras perguntas ao rapaz; queria conhecer e sentir a energia do Postulante. Conforme Neseb ia respondendo as diversas questões apresentadas pelo velho mestre, ficava evidente sua pureza de espírito, mostrando um bom caráter, uma boa índole; além de um vasto conhecimento das ciências e filosofias da época. O experiente Nilrem via nos olhos daquele jovem e no tom de suas respostas, uma alma nobre e virtuosa. Sua intuição dizia que deveria aprovar Neseb, mas antes, iria propor três missões ao jovem Postulante.

Alguns dias depois, Neseb recebeu em sua casa a visita do Mago Ancião. Era o dia de receber a resposta de sua aprovação ou reprovação. O jovem Postulante estava inquieto, nervoso, angustiado; querendo ouvir logo a decisão. O velho Nilrem com toda a sua calma de mestre, não tinha pressa e pediu um chá de losna. Neseb preparou rapidamente o chá e serviu. Enquanto bebericava lentamente, o mestre deu a tão aguardada notícia ao rapaz. Disse que ele seria aprovado, mas antes, teria que cumprir três missões simbólicas que seriam determinadas por ele. Neseb não cabia em si de tanta alegria e disse que cumpriria a risca as missões impostas pelo Mestre Nilrem.

A primeira missão era cultivar uma planta desde a sua semente. Embora muito pequena, uma semente tem a poderosa capacidade de produzir uma enorme quantidade de novos grãos e de estar na origem de uma grande árvore. Um saco de semente pode encher um campo de trigo. Neseb poderia escolher qualquer semente, desde que cultivasse uma planta. A semente escolhida por ele foi um grão de milho. Em algumas semanas, Neseb tinha cultivado um grande e saudável pé de milho. A sua primeira missão estava cumprida.

Neseb chamou o velho Nilrem e mostrou que a primeira missão havia sido cumprida. Satisfeito com o que viu, o Mago Ancião parabenizou o jovem Postulante e deu-lhe a segunda missão. Dessa vez, Neseb deveria passar uma noite em um cemitério. Lá, ele deveria ficar sozinho e meditando, sobre o simbolismo daquele lugar. Neseb ficou um pouco tenso com a segunda missão, mas assim que Nilrem foi embora, tratou de preparar suas coisas e rumou para o cemitério da cidade. Ele queria realizar a segunda missão o mais rápido possível; antes que lhe faltasse coragem para cumpri-la.

Chegando ao cemitério, foi tomado por um confortável sentimento de paz. Faltava pouco para anoitecer. Neseb se acomodou em um minúsculo gramado entre algumas sepulturas e acendeu uma pequena fogueira. Quando anoiteceu, apesar das catacumbas que o cercavam na escuridão ao seu redor e do assustador chirriar de uma coruja, se sentia tranquilo e seguro. Passou horas refletindo sobre a vida e a morte. Comeu alguma coisa enquanto contemplava o céu estrelado; e quando já era madrugada, adormeceu fitando as chamas da fogueira. O sol estava nascendo quando Neseb acordou sendo cutucado por alguém. Era o velho Nilrem pedindo que ele levantasse, pois já tinha cumprido a segunda missão.

Ali mesmo, no cemitério, o Mago Ancião deu-lhe a terceira missão. Neseb deveria passar uma semana alimentando e auxiliando mendigos, velhos e crianças abandonadas na rua. O jovem Postulante disse que começaria imediatamente e partiu para cumprir a última missão. Nos dias que se seguiram, Neseb trabalhou muito. Eram muitos mendigos, pessoas doentes, velhos, crianças abandonadas. Todos foram alimentados e medicados. Neseb foi generoso, deu atenção, conversou com eles; e até conseguiu trabalho e abrigo para alguns. Até crianças foram adotadas por intermédio de Neseb. A missão tinha sido cumprida.

Neseb agora era um Recipiendário e estava pronto para ser preparado para a sua Iniciação na Ordem Herdeiros de Trismegisto. O Mestre Nilrem solicitou a presença de Neseb para conversarem sobre a função de cada uma das três missões. O jovem Recipiendário foi à casa do Mago Ancião, ansioso para ouvir o que o Mestre tinha a dizer e quais seriam os próximos passos para sua tão esperada Iniciação na Ordem. Nilrem aguardava seu afilhado, futuro discípulo; e o recebeu com um fraterno e orgulhoso abraço.

Nilrem comentou com Neseb sobre a simbologia alquímica por trás das três missões. A primeira missão trazia a mensagem de que uma semente é símbolo de todas as capacidades e possibilidades, da abundância de vida. A pequenez da semente não a impede de se tornar uma frondosa árvore. A semente é um símbolo de ordem, riqueza e fecundidade. É também um símbolo do iniciado, do buscador, que tenta incansavelmente se tornar um ser melhor.

A segunda missão servia para mostrar que a morte simboliza o final de um ciclo e o início de outro. A morte física ou psicológica é necessária para o renascimento e aprimoramento do homem. É preciso dissolver a escuridão para perceber a luz. Na alquimia é o Solve et Coagula (“Dissolver e Coagular”), ou (“Desmontar e Unir”).

A terceira missão mostrava a nobreza do amor, a árdua tarefa de tentar concluir a Grande Obra. O verdadeiro significado da expressão “Transformar o chumbo em ouro”. A valorização da vida e do fraternal compromisso com o próximo. O Elixir da Vida Longa está na Transmutação, no aperfeiçoamento pessoal e social. A Pedra Filosofal deve ter em sua composição a Humildade.

Neseb ouvia tudo aquilo atento, com os olhos brilhando. Estava hipnotizado pela fala do Mestre Nilrem. A esclarecedora conversa só serviu para aumentar ainda mais a sua vontade de ingressar na Ordem Herdeiros de Trismegisto. Ele queria evoluir, se aprimorar. Nilrem perguntou se Neseb ainda estava disposto a continuar ou se preferia desistir. O jovem Recipiendário respondeu que, de todo o seu coração desejava seguir em frente. O Mago Ancião se levantou e abraçou Neseb com carinho, entregou-lhe uma espécie de túnica branca e o instruiu a estar ali antes do sol nascer, pois a Iniciação começaria ao raiar do dia.

O jovem Recipiendário foi para casa, jantou e se deitou na cama. Precisava dormir um pouco, pois sairia cedo, bem antes do sol nascer. Neseb mal conseguiu dormir de tão ansioso. Estava se sentindo feliz, realizado, com a sensação que tinha encontrado um tesouro... E tinha mesmo. Quando chegou a hora de ir, Neseb saiu apressado em meio à escuridão da madrugada, vestindo a túnica branca, rumo à casa do Mestre Nilrem. A cor branca simboliza a pureza do Recipiendário. Não demorou que ele chegasse; em uma hora o sol ia nascer.

Nilrem o aguardava na porta. O Mago Ancião vestia um balandrau preto com uma bela capa púrpura, estava imponente, segurando seu cajado. Havia outros membros da Ordem com ele, todos vestidos com balandraus pretos, encapuzados e segurando tochas acesas nas mãos. Neseb tentou conversar com alguém, mas Nilrem fez um sinal e um dos membros da Ordem imediatamente vendou o jovem Recipiendário. Pego de surpresa, Neseb agora não enxergava nada. As pessoas ao seu redor não conversavam entre si. Havia um silêncio torturante. Provavelmente aquilo fazia parte do processo iniciático.

A Iniciação de Neseb já tinha começado. Ele foi conduzido por um caminho que começava nos fundos da casa de Nilrem. Sem enxergar nada, era guiado por alguém que lhe segurava pelo braço. Neseb compreendeu que devia confiar naquelas pessoas, pois estava em meio à “escuridão”; e logo, ao ingressar na Ordem, todos seriam Irmãos. Em poucos minutos, chegaram à entrada de uma caverna. Todos pararam. Só havia silêncio.

Conduziram Neseb para dentro da caverna. Ele suspeitou que estivesse dentro de uma caverna porque ouvia os passos que ecoavam ao seu redor. Teve certeza disso quando ouviu a voz de Nilrem dizendo que ele deveria sentar em total silêncio e esperar até que fosse chamado. A voz do Mestre reverberou pela caverna. O jovem Recipiendário ainda ouviu que se fosse visto retirando a sua venda, seria reprovado. Ele foi posto sentado sobre uma pedra e lá ficou imóvel, em total silêncio.

Neseb já tinha perdido a noção do tempo. Ele não fazia ideia, mas estava sentado naquela pedra durante horas. Ficou ali a manhã inteira, na escuridão, sozinho com seus pensamentos. As antigas iniciações, na grande maioria das Escolas Iniciáticas, tinham como tradição testar física e psicologicamente os seus candidatos. Eles deveriam mostrar capacidade de concentração e raciocínio, resistência e paciência. Além disso, precisavam provar que eram dignos de serem aceitos na Ordem, demonstrando coragem, confiança, perseverança, humildade, entre outras virtudes. Essas provas iniciáticas (ou viagens iniciáticas) eram simbolicamente realizadas dentro de um contexto que fazia referência aos quatro elementos (terra, ar, água e fogo).

O jovem Recipiendário já estava desconfortável, com dores por estar sentado durante toda manhã sobre uma pedra, sem enxergar absolutamente nada. Neseb tinha aproveitado toda aquela reclusão para pensar em muitas coisas, refletiu muito. Aquilo era uma espécie de meditação. Mal sabia ele que estava na “Câmara de Reflexão”. Pensou em levantar a venda e dar uma espiada, mas desistiu; não queria colocar tudo a perder. Poderia estar sendo vigiado... E estava mesmo. Quando deu meio dia, Neseb ouviu novamente a voz de Nilrem, que o mandou levantar. Neseb levantou aliviado, achou que o pior já tinha passado. Ele tinha apenas concluído a prova do elemento terra; ainda lhe faltavam mais três provas.

O Mago Ancião disse em voz alta que Neseb ainda não era um adepto, nem mesmo um aprendiz; Nilrem disse que ele nada sabia. Como estava vendado, não teria a permissão para ver, somente sentir. Nesse momento, um dos membros da Ordem Herdeiros de Trismegisto, colocou a ponta de uma adaga no peito de Neseb. A ponta afiada estava dirigida para o coração do Recipiendário. De repente, alguém grita em forma de alerta, que a morte é o castigo para aquele que trair os segredos da Ordem. Neseb é questionado mais uma vez se pretende ir em frente. Ele responde que sim; seu coração estava acelerado.

Nilrem diz a Neseb que a partir daquele momento, ele passaria a ser um Neófito e precisava encontrar uma passagem para a próxima “câmara”. Teria que fazer isso sem enxergar. Teria que usar o tato. Neseb saiu às escuras tateando a parede da caverna e após alguns minutos procurando, encontrou uma pequena abertura próxima do chão. Ele entrou por ela se rastejando e seguiu por aquele duto apertado e úmido. Sua túnica já não era mais branca e seca, estava sujo, com medo, molhado e com frio. Mas seguiu em frente, estava determinado. Ele sentia somente um ar frio que soprava suavemente. Foi quando percebeu que havia chegado a um local espaçoso; ele tinha encontrado a câmara. Ele havia superado a prova do ar.

Dentro da câmara, Nilrem já o aguardava. Neseb ouviu a voz do Mestre ordenando que seguisse em frente, em linha reta. O Mago Ancião disse que o jovem Neófito precisava fazer a travessia e ele caminhou lentamente, temeroso, até pisar na água e cair dentro de um lago, dentro da caverna. Neseb nadou em água congelante, que lhe furtava o raciocínio, mas ele estava determinado a ir até o fim. Quando chegou até o outro lado na margem, uma mão o acolheu e ajudou o jovem Neófito a se levantar. Ele havia sido purificado pela água, assim como um batismo, ele tinha cumprido a prova da água.

A última prova que faltava, era a do fogo. Neseb foi conduzido ainda vendado por um corredor cheio de velas acessas. Ele podia até sentir o calor que as velas emanavam. Nilrem ordenou que ele seguisse caminhando e de repente, mandaram Neseb parar. Ele sentia a presença dos membros da Ordem circulando ao seu redor, carregando tochas acessas. Alguém lhe pegou pelo braço e o colocou diante de uma grande fogueira. Ele sentiu o calor revigorante e ardente do fogo. Por fim, após proferir palavras de boa vindas ao novo membro da Ordem, Nilrem ordenou para que fosse oferecida a Luz da Verdade ao novo aprendiz da Ordem.

Nesse momento, alguém retirou a venda dos olhos de Neseb, que ainda confuso, observou o que ocorria ao seu redor. Percebeu que estava no centro de um círculo, rodeado e cercado de Irmãos da Ordem Herdeiros de Trismegisto. Todos ajoelhados, segurando tochas acesas nas mãos, em reverência ao novo membro da Ordem. Nilrem caminhou em sua direção e o abraçou com força; dando-lhe boas vindas. Ali, começaria o Grau de Aprendiz. Na Ordem Herdeiros de Trismegisto, havia três graus: Aprendiz, Companheiro e Mestre.

Naquele dia, Neseb recebeu instruções secretas do Grau de Aprendiz. Ali estava começando os seus estudos nos Augustos Mistérios da Alquimia. O jovem Aprendiz estava radiante, realizado, orgulhoso por sua conquista. Sabia que tinha uma longa caminhada na Senda, rumo ao seu aprimoramento evolutivo. Alguns anos e muitos estudos depois, ele foi Elevado ao Grau de Companheiro e alguns anos mais tarde, foi Exaltado ao Grau de Mestre. Na Alquimia, os estudos, pesquisas e aprimoramento são contínuos. O Alquimista está sempre em busca da evolução.

Vinte e um anos depois, Neseb relembra com enorme carinho de todo o processo de sua Iniciação. Um momento único, especial. Hoje, ele é um dos principais Mestres da Ordem Herdeiros de Trismegisto, onde compartilha o seu conhecimento sobre as Sete Leis Herméticas: Lei do Mentalismo, Lei da Correspondência, Lei da Vibração, Lei da Polaridade, Lei do Ritmo, Lei do Gênero e Lei da Causa e Efeito. Porém, a lei que nunca aprendeu a dominar, foi a Lei da Saudade; aquela saudade que sente do seu Amado Mestre Nilrem, o Mago Ancião que o acolheu como um filho.

Adriano Besen
Enviado por Adriano Besen em 01/07/2021
Código do texto: T7290693
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