Diálogos Durante um Jogo de Xadrez
Durante um jogo de xadrez indaguei meu adversário: existe acaso na árvore da vida, um valor último que justifique toda a agitação dos crânios? “Como te enganas”, exclamou o eterno vencedor e prosseguiu dizendo: a vida é um despropósito mal justificado a caminho do nada. É a cal do vazio que esfria todas as vértebras... Prega os dias todos no desgosto e transforma esperanças em pinos de caixão.
Não existe nenhuma saída para este axioma ilógico? “Puro sentimentalismo” e continuou argumentando o jogador que todos evitam: podes cerrar os sonhos em céus religiosos, consumir tua mocidade em alfarrábios filosóficos, clinicar o mundo com receitas científicas. Mas o final dessa aventura é de um Sísifo derrotado e o inevitável encontro comigo. É como em uma triste e pesada historia contada nos filmes de Bergman
Nada posso fazer em face desse absurdo? O suicídio seria uma hipótese plausível? Ele responde: não diga asneiras! Aproveite as jogadas neste tabuleiro ao máximo. Crie os mais sublimes valores para si, mesmo que objetivamente todos não passem de meras poeiras na galáxia. Construa isso no amor, nos pequenos prazeres cotidianos, na vivência com teus familiares e outros caminhos habituais para os pobres humanos. Até mesmo revolte-se contra essa condição, ignore-me o máximo possível... Eis aí uma boa forma para aliviar esta inevitável rodovia sepulcral.
“Que bom, que maravilha” - exclamei todo animado quando uma peça avançava uma casa durante a jogatina. Estava animado para vencer as duas batalhas (o xadrez e a existência) - levava a sério as dicas do meu famoso opositor. “Calma pobre peão, não insufles tanto o peito com esses afazeres. Veja aqui, olhe com atenção, viu?! Nunca te esqueça de tua deplorável situação, tenho todos os bispos, reis e rainhas para a qualquer momento lhe dá o xeque-mate fatal!”